Tenho resistido em todos estes anos a tratamentos invasivos para melhorar minha aparência física. Sou daquelas que procuram cuidar da saúde e do corpo com o que for mais natural possível. Assim, evito remédios e tratamentos estéticos que impliquem introduzir no meu corpo, seja por via oral ou via aplicação, produtos químicos. Faço isso por quatro motivos que considero importantes: o primeiro é que confio na sabedoria da natureza. Não quero diminuir os sinais que ela possa me enviar. Quero estar bem consciente dos ritmos do meu corpo e seus ciclos, como a menstruação, por exemplo. Aprendi a ouvir e perceber meu corpo há décadas e nunca mais deixei de ter essa conexão. Qualquer tipo de remédio ou produto que impeça isso, considero-o um tipo de dopagem. Gosto da lucidez. É um dos meus valores prediletos. Portanto, a quero até na conexão com meu corpo.
O segundo motivo é que acredito que a indústria da beleza e farmacêutica tem lançado produtos demais nas últimas décadas, criando “necessidades” desnecessárias. E o que é pior: sem ter certeza de seus efeitos colaterais a longo prazo. Sinceramente, não confio muito quando os testes feitos com poucos anos de duração, mostram que não há efeitos colaterais negativos no nosso corpo. Nosso corpo é um sistema complexo e maravilhoso; qualquer alteração no sistema mexe no todo. Para ter certeza da veracidade dos efeitos do remédio ou química no nosso corpo, só o tempo. Prefiro, na maior parte das vezes, esperar esse tempo.
Trago como terceiro motivo o fato de que sempre valorizei uma boa conversa a um físico perfeito. Claro que alguém bonito sempre é agradável de se olhar e ter ao lado. Porém, no trade off da vida, de que vale isso sem uma boa conversa? Se tivesse que escolher entre um e outro, o conteúdo prevalecia ao físico. Se já pensava assim em relação aos meus relacionamentos amorosos, como pensar diferente em relação a mim mesma? Investia no saber e conhecer. Com recursos limitados para administrar, os itens relacionados à beleza e estética ficavam sempre no fim da fila. Ou seja, poucas vezes chegava sua vez. Hoje não tenho mais escolhas em relação ao meu relacionamento amoroso – já fiz a minha escolha e estou feliz com ela –, mas continuo a investir em saber e conhecimento. Minha forma de fazer trade off se mantém igual, se tiver que escolher: ganha a cultura e o conhecimento. Sempre brinco que minhas celulites são cultas; já viajaram para muitas partes deste maravilhoso e amplo mundo.
O quarto motivo é que acredito na beleza da expressão original. Podemos tratar para ela ficar bem-cuidada e harmônica. Mas não gosto da estética padronizada que o mundo da beleza costuma vender e impor para quem cede a ela. Gosto de personalidade que se expressa na individualidade, inclusive da aparência física. É uma questão de gosto. Sei que cada um tem o seu. Não me iludo e sei que caio no ideário estético coletivo inevitavelmente uma vez ou outra, só que respeitar minha singularidade, o máximo possível, é importante para mim.
Sei que dizer tudo o que escrevi até aqui com 30 ou 40 anos parece fácil – embora já tenha adolescente colocando Botox no rosto. De fato, era mais fácil. A pele tinha uma tonicidade que, mesmo não sendo tratada com massagens e cremes especiais ou aplicações de produtos mágicos, mantinha uma iluminação e firmeza que hoje só fazem parte do meu passado. Lembro que foi quando fiz 42 anos que senti o primeiro choque da idade. A década dos 40 é uma década reveladora e transformadora. O corpo se mostra. Os sinais do climatério começam a se manifestar, anunciando que a menopausa está chegando. A ideia de nos aproximar dos 50 anos nos apavora – mesmo sendo hoje considerada metade da vida adulta que muitos de nós teremos, ainda é uma idade que nos lembra claramente que a juventude passou. A idade adulta se prolongou. Não a idade jovem.
Creio que seja durante a nossa década dos quarenta que tomamos decisões importantes: como iremos nos cuidar? Como iremos tratar os sinais de queda hormonal com todas suas complicações? Como iremos tratar da beleza que se transforma? Como iremos cuidar do corpo, que perde as suas formas e tonicidade? Eu resisti firmemente até chegar aos cinquenta anos. O que não significa que não tenha me cuidado.
Investi muito em informações e médicos com um olhar mais natural para saber o que poderia fazer para ficar bem. Mudei minha alimentação, continuei com meus exercícios moderados, passei a me hidratar muito mais – cuidando tanto com a quantidade de água que consumia como com cremes de hidratação de diversas marcas. Lembro uma dermatologista que, depois de diversas tentativas de produtos para a pele do rosto que não deram certo – tenho uma pele bem sensível à química –, me disse que realmente o melhor cuidado era proteção solar e hidratação. Por que não me disse isso antes?
É claro que meu rosto e meu corpo sentiram os anos. Especialmente a queda hormonal. Tão sábia a natureza… A mudança hormonal paulatina, sentida e não disfarçada me ajudou a entender que uma fase grande e importante da minha vida – a de jovem adulta – estava indo embora para sempre. Reflexiva como sou, aproveitei e fiz uma revisão de minhas escolhas até então. Me dei o tempo de entender que estava começando a fase de adulta madura, que me levaria inevitavelmente até a velhice. E que esta não estava tão longe assim. Nem tão perto que não pudesse me preparar para ela.
Acredito que sentir o corpo tem essa vantagem. Te prepara para a próxima fase. Compreendi que se vivesse a transição da adulta jovem para a adulta madura com sabedoria poderia encarar bem a velhice com todas as limitações que ela impõe – e, desculpem, eu pessoalmente não gosto da expressão “melhor idade”, porque não acho nem um pouco que a vehice seja isso.
De certa forma, a fase do climatério para as mulheres e da pré-andropausa para os homens, é uma preparação para encontrar novos valores em suas vidas. Novos focos e interesses, novos alicerces nos quais pautar o valor de nossa existência interna e pública. É o momento de se perguntar e responder: qual é meu valor social? Não é à toa que é na faixa acima de quarenta e cinco anos que surge o questionamento do propósito de vida nos profissionais.
Perto dos cinquenta anos, alinhei novamente minha alimentação para perder peso – descobri que nessa faixa etária se engorda aspirando o ar –, consciente de que meu corpo jovem não voltaria mais. Sem sacrifícios e sem sofrimentos. Comecei a buscar novas formas de me sentir bonita nessa nova idade assumindo o novo corpo: o corpo de uma mulher madura. Um corpo sem tanta cintura e com gorduras que se incorporaram ao meu novo visual.
Aos cinquenta e dois, fiz a primeira intervenção química no rosto, um preenchimento que me deixou muito feliz. Escolhi um amigo dermatologista para fazer as aplicações. Conversamos bastante e ele usou todo seu o conhecimento para atender ao meu pedido: não queria mudar meu rosto, não disfarçar a minha idade. Assim, gradativamente vou descobrindo uma nova forma de dar sentido à minha beleza adulta. Introduzindo novas tecnologias aos poucos e respeitando, sempre, a sabedoria da natureza. Creio que quando assumimos nossa idade com naturalidade fica fácil se sentir bonita. Porque nossa beleza se embasa num modelo alinhado à nossa idade, e não num aspiracional difícil de atingir, não é mesmo?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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