O Brasil que acompanha o BBB 21 não fala de outra coisa: o cancelamento que o Lucas Penteado sofreu pelos participantes – encabeçado pela Karol Conká – é ou não justo? Devia ou não devia ter acontecido? Pode ou não cancelar? Não é uma resposta simples se quisermos nos aprofundar em várias camadas e interseções que envolvem o cancelamento, a diversidade – incluindo a de opiniões –, o sentido de comunidade e o respeito (só para citar alguns pontos relacionados).
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Para começar, é importante dizer que não estava acompanhando a história dos participantes do BBB 21, mesmo assim foi inevitável que o assunto chegasse até mim. Como é um tema que me interessa – a diversidade e os valores da sociedade –, me senti animada em analisar o que tinha acontecido. Portanto, não tenho a pretensão de avaliar os participantes e muito menos o BBB 21; minha intenção é escrever sobre algo que vem acontecendo cada vez mais: a cultura do cancelamento.
Para quem não sabe, a cultura do cancelamento começou como movimento, ao que tudo indica, nos Estados Unidos como uma forma de atacar a reputação de pessoas que de algum modo infringiam o sentido de justiça social ou o conceito de proteção ambiental de um grupo determinado. Era uma forma pública – usando principalmente as redes sociais – de promover uma pressão social sobre empresas e instituições para estas se posicionarem perante a pessoa que agiu incorretamente (segundo a visão de mundo do grupo que cancela, vale dizer). Em muitos casos, buscava-se que o “cancelado” fosse punido com o desemprego ou perda de contratos. Assim, havia o interesse em promover uma ação corretiva no indivíduo servindo como exemplo para os outros.
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O lado positivo dessa cultura é a força que a voz de uma minoria ganhou. Uma forma de lutar contra o sistema da maioria representada e que, por isso mesmo, tinha mais poder. Também, podia ser vista como uma forma de cobrar maior coerência entre o discurso e as ações. De obrigar empresas e instituições a serem mais conscientes com seus investimentos (patrocínios, por exemplo), cultura organizacional (valores culturais que praticam em todas as etapas do negócio) e funcionários (que também são, queiram ou não, seus representantes independente do cargo). Vista sob esses ângulos, a cultura do cancelamento parece algo justo, que permite, aos poucos, a mudança de eixo do poder.
O lado negativo apresenta várias facetas: a primeira é a superficialidade que constitui o comportamento da, infelizmente, maioria de nós. Superficialidade que somada ao desejo de expressar a nossa opinião – e rápido – tem trazido ações embasadas em frágeis evidências. Creio que, mais do que estarmos certos, queremos é opinar. Se após Descartes aceitamos a crença de que “penso, logo existo”, agora parece que a substituímos por “faço um post, logo existo”. Com esse comportamento projetado em redes sociais, o perigo de estragar, injustamente, a vida de alguém é grande.
Um outro aspecto – e, sinceramente, o que considero mais sério – é a violência implícita na cultura do cancelamento. Querer prejudicar propositalmente alguém é um ato de violência. Seja pelo incentivo à exclusão social – fato que aconteceu com o Lucas Penteado –, seja pela exposição de algo íntimo e vergonhoso, seja pelo desemprego provocado por uma denúncia. Em todos os casos, estamos falando de formas de violência.
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Se quisermos avançar com o tema justiça social, diversidade e inclusão, devemos começar a dialogar. Diversidade não significa somente acolher quem é de outra raça, tem outra orientação sexual ou, ainda, vive em outra esfera econômica, mas pensa como nós. Acolher a diversidade significa ouvir e compartilhar também com quem pensa diferente. Às vezes o oposto.
E quem não quer dialogar? Sem diálogo não há relacionamento. E não me relacionar não significa prejudicar a pessoa propositalmente. E quem está fazendo algo legalmente errado? Denuncie seguindo os caminhos legais. Se quiser usar as redes sociais, faça-o com responsabilidade e respeito. Com todas as provas necessárias. A violência nunca levou a humanidade a um lugar bom, não é mesmo? Fazer justiça com as próprias mãos sempre dá errado. Além de nos dar o tipo de poder que pode nos tornar iguais a quem queremos denunciar.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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