Boa parte de nós, mulheres latinas acima de 40 anos, carregamos a crença de que amar significa, de certa forma, atender e ficar à disposição do nosso amor. Seja talvez pela noção distorcida de autoridade que algumas mulheres têm em relação aos homens – e por isso o tratam com um certo receio de desobedecer –, seja pela ideia de que o homem é um ser com uma certa fragilidade e, portanto, não devemos magoá-lo nem contrariá-lo. Podemos dizer que, no fim, é comum as mulheres, especialmente as que estão na faixa acima de 40 anos, irem acomodando suas vidas ao redor do seu amor, embora seja incomum o homem fazer o mesmo.
Para essas mulheres, parece que amar é sinônimo de ceder ao homem nas suas vontades e desejos. São aquelas mulheres que deixam de sair com suas amigas porque o namorado ou marido não gosta. São as que diminuem sua interação social para atender ao companheiro. Até os assuntos são selecionados de acordo com os interesses do par. São aquelas que buscam constantemente não contrariar seu amor com medo de que ele faça cara feia – a questão da autoridade – ou fique chateado – a questão da fragilidade. E tal qual uma criança mimada, esse homem vai aprendendo e puxando a corda até, às vezes, ela arrebentar.
Evidentemente que numa relação ambos cedem. É normal que a nossa rotina mude, assim como as nossas interações, quando fazemos parte de um casal. O que não deveria ser “normal” – ou melhor, para as mulheres latinas acima de 40 anos, o que deveria ser superado – é renunciar a quem se é, àquilo de que gosta, de quem se gosta, em nome de um amor e de um relacionamento. Por quê? Pelo simples motivo de que manter aquilo que nos faz bem – amizades, rotinas, atividades e formas de viver a vida – faz que sejamos quem somos. Alegra nossa alma e nos torna pessoas mais leves e, por conseguinte, companheiras melhores.
Sempre me pergunto qual é o ponto em que a balança fica equilibrada. Qual é o ceder que compõe uma relação a dois de forma saudável e qual é o ceder que vai mitigando nossa personalidade e nosso ser? Gosto de observar tanto meus entrevistados como as relações em meu entorno e, sem dúvida, observo e reflito bastante sobre a minha própria relação amorosa. Por isso, posso dizer que eu mesma considero que costumo ceder constantemente. Acima dos 50 anos, latina e ainda hispânica, filha de uma mulher peruana de origem japonesa – difícil não ter esse ímpeto naturalizado dentro de mim.
Para saber a medida em que o ceder me faz bem – o ponto de equilíbiro da balança que mencionei acima –, me observo e me questiono. Constantemente. Não tenho medo de me questionar pelo simples fato de que não tenho medo da resposta que possa surgir. Não temo tomar decisões por mais velha que vá ficando apesar de, como disse uma amiga, pode não ser questão de medo e sim de preguiça. Creio que isso é fundamental: nos questionarmos até a resposta se firmar dentro de nós. Entendo que, como escrevi num outro texto, quando se é dependente financeiramente do companheiro não desejamos fazer esse tipo de questionamento. Vale colocar na balança e ver o que pesa mais: a estabilidade financeira e sua vida dedicada à vontade do outro, ou a incerteza financeira em prol do autorrespeito. Cada uma sabe a dor e os medos que carrega. Não existe uma decisão que seja boa para todas, mas, insisto, tomar consciência de tuas decisões te fará sentir mais dona da tua vida. Te trará segurança e paz.
Algumas românticas podem me dizer que não é uma questão financeira, e sim de amor. Bom, só posso dizer que aprendi cedo que o amor que machuca, que desintegra nossa personalidade, que submete nosso ser, pode ser um monte de coisas, mas não é amor. Nisto sou insistente: devemos aprender que amor e relacionamento são duas coisas separadas e que a relação precisa de troca equitativa para se manter saudável. O amor não; o amor existe por si só. Cabe a cada uma decidir se leva o amor que sente pelo seu homem para longe dele e busca refazer sua vida, ou se vai se submeter aos caprichos do amor dentro de uma relação abusiva. É isto mesmo: considero também abusiva uma relação que vai tirando de nós as nossas vontades, os nossos sonhos, os nossos gostos e prazeres. Não existe relação saudável sem que tenhamos que ceder; ao mesmo tempo toda relação que vai tirando parte de nós, querendo nos moldar à maneira do outro, tem algo de abusiva.
Por isso, no meu caso, costumo também olhar para a pessoa que vou me tornando com o passar dos anos e avalio se é alguém que eu queria ser. O quanto abri mão dos meus sonhos? Quantas amizades criei em meu entorno que gostaria de manter mesmo que estivesse sozinha? O que falta na minha vida como pessoa, como mulher? Olho para trás, vejo uma mulher que se foi e penso: o quanto desse ir foi por mim, por nós ou por ele?
Precisamos de lucidez para avaliar nossa vida. Ela é algo precioso de que devemos cuidar com amor. Até para poder cuidar do outro. Ser feliz promove saúde, promove humor, leveza e harmonia. Faz bem ao entorno, à sociedade e ao mundo. Sim, ao mundo também. Não tem nada de egoísmo, até porque ao sermos pessoas felizes ajudamos nossos filhos a buscarem seu próprio caminho da felicidade. Não é isso que queremos para eles? Felicidade não se compra; se conquista passo a passo, muito mais dentro de nós do que fora.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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