Em março comemoramos o Dia Internacional da Mulher e no fim de abril, dia 30, comemoramos o Dia Nacional da Mulher. O dia nacional poderia passar em branco – afinal poucos lembram dessa data e, no meio de tantas datas comemorativas, fico sempre com a sensação de que esqueci de algo importante para comentar por aqui.
Mesmo tendo comemorado recentemente o dia da mulher – e por causa da autorreclusão que me impus em tempos pandêmicos parece que foi ontem – considero que o tema mulher precisa continuar em alta.
A equidade de gênero é uma das forças mais poderosas para acabar com o patriarcado, o machismo e a série de estruturas sociais que tem origem nesses sistemas. Por isso, perante a página em branco, fiquei me perguntando o que eu sinto em ser mulher hoje em dia.
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Difícil responder. No momento em que as guerras identitárias ganham mais e mais territórios, fragmentando modelos e ampliando horizontes, na minha microbolha, às vezes tenho a impressão de que está difícil saber exatamente quem nós, mulheres, somos. E não poderia ser diferente.
“Todas somos a soma do velho mundo com o novo”.
Mesmo aquelas que se consideram mais conservadoras e lutam contra o feminismo não podem dizer que não tenham incorporado nas suas vidas alguns benefícios que o feminismo trouxe. Mesmo aquelas que se consideram feministas natas dificilmente acabam revelando traquejos de uma mulher às antigas, seja no amor, na maternidade, no relacionamento com a autoridade seja esta qual for.
Difícil também é escolher um modelo único. Se, por um lado, a fragmentação das identidades tem nos permitido mais opções de modos de ser e alargado as fronteiras que delineiam nosso futuro, por outro estamos criando nossa identidade tal qual uma colcha de retalhos: colhendo e costurando pedaços que nos interessam de mulheres distintas, e até contraditórias, na esperança de que o resultado final seja charmoso, prazeroso e único.
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Aliás, originalidade tem sido a busca de boa parte das mulheres. Queremos ser incomuns, na ingenuidade ou ilusão de acharmos que isso é possível numa sociedade tão midiática. Mas a busca é verdadeira.
Para isso fazemos terapias e sessões psicanalíticas. Estudamos, praticamos, incursionamos por diversas áreas. Tudo na busca de nos reconhecermos em algum campo. De nos desapegarmos de modelos preestabelecidos de dentro de nós.
“Sinto que algumas mulheres estão cansadas dessa busca que parece não ter fim”.
E talvez não tenha mesmo, especialmente para a minha geração e as que vêm logo a seguir. Demora décadas para as mudanças se estabelecerem socialmente. Por isso continuamos por aqui, buscando ser a mulher que esperamos de nós mesmas: um misto de desconstrução do modelo da infância – retomando alguns pontos que, mesmo antigos, com a maturidade compreendemos que nos servem – e construção de um modelo novo, visando a mulher moderna, dona de si, de seu corpo, de seu prazer, de seu destino.
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Sei que este texto pode se aplicar também aos homens – àqueles que estão no processo de desconstrução. Embora não tenha dúvida de que é a mulher que mais avançou e que, na sua pausa, muitas vezes imposta pela pandemia, se pergunta, nesse mundo novo que se descortina cheio de surpresas: afinal, qual mulher quero ser?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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