Quando ouço mulheres executivas dizerem que nunca perceberam comportamentos machistas em relação a elas no ambiente de trabalho, penso no longo caminho que ainda temos por percorrer contra o machismo.
Sinceramente, considero difícil uma mulher não ter sofrido de algum tipo de assédio moral ou sexual na sua escalada corporativa. E o motivo que me leva a esse raciocínio é saber que, até há pouco era um comportamento considerado normal – quase “naturalizado” – dentro das organizações. A maioria não sabia que eram comportamentos que tratavam de colocar a mulher num plano menor.
O movimento feminista trouxe uma nova forma de olhar comportamentos corporativos arraigados. Despertou em nós, sociedade, e especialmente em nós mulheres, uma atenção para atos que até então, conforme nos fora ensinado, deveríamos ignorar, minimizar, “normalizar”, “naturalizar”. Superar sem dar atenção.
Estamos ainda na árdua luta para transformar nosso olhar social. Nesse processo de transformação, as etapas se sobrepõem. Tem aqueles que ainda não enxergam, em alguns comportamentos, traços machistas, considerando-os gentis; tem aqueles que veem em todo ato gentil, traços machistas. Há sempre exageros e extremos na fase de transição de valores. Impossível não haver. Fazem parte do movimento de transformação. Os limites ficam confusos. O que é certo ou errado não está claro.
Nesse momento de confusão, quando fica evidente que o antigo modelo social não consegue se manter, aqueles que estão perdendo os privilégios se unem para criar um ambiente inibidor. Assim surge, por exemplo, a expressão “mimimi”, que em meio a risinhos faz mulheres tentarem se diferenciar das outras que buscam acabar com o status quo antigo. Por que terminamos não apoiando, mesmo que às vezes pareçam exageradas, as ações que inibem o machismo nas empresas? Acredito que porque muitas de nós não querem ser vistas como chatas.
A mulher carrega esse título no âmbito familiar. Reguladora cotidiana da moral familiar nas últimas décadas, coube à mulher o papel de restringir e educar. Esse lugar social cresceu à medida que o homem abriu mão da sua sobriedade. Característica típica do homem no início do século XX. Da sobriedade, o homem caminhou para figura atual do brincalhão, o divertido e o que quebra pequenas regras familiares para a diversão das crianças. À mulher restou se contrapor e, da mãe doce que protege o filho contra a dureza paterna, caminhou para a figura daquela que controla e regula o comportamento familiar. Assim, denominada pelos pais divertidos, ela se tornou a chata.
Aguentar ser chata na família já é difícil. Ser também a chata no trabalho desgasta qualquer autoestima. Como lidar com isso? Revertendo o conceito: o que é ser chata? Do que realmente se trata? Para fazer isso, precisa-se de preparo e conteúdo. É um papo-cabeça para o qual precisamos nos preparar.
Se desmontar organizadamente o conceito de chata não funciona, então sugiro como alternativa, quebrar ao meio a estratégia de colocar as mulheres nesse lugar corporativamente – e engloba-se, no sentido de chata, os conceitos de exagerada, cric-cri, desmancha-prazer, cheia de mimimi.
Para isso, não observei nada melhor até o momento do que dizer claramente “chega”. De assumir publicamente que comportamentos machistas, por mais sutis que possam parecer, devem parar e que não serão mais permitidos por nós. Mesmo que isso só reforce nosso título de chatas. Afinal, por que queremos ser consideradas legais, em oposição a chatas? Será por que vimos essa polarização em casa e não gostamos? Devemos pensar que ser legal pode significar, muitas vezes, o oposto do que consideramos ser correto.
No ambiente corporativo, são outros atributos que comandam a história, a imagem e o legado de um executivo. Coerência, dinamismo, firmeza, coragem, ética, inteligência, sensibilidade, visão social, justiça e imparcialidade, só para mencionar alguns, deveriam ser os títulos que nos importam. Ser chata ou cheia de mimimi é tão menor perante esses valores que, sinceramente, meu pedido é que olhemos para o que realmente interessa. Vamos lembrar que nossa escalada corporativa vai além de nossa própria vitória. Significa o equilíbrio de forças diferentes para tornar o poder econômico mais inclusivo, o avanço da diversidade que torna tudo mais pleno e rico. Significa abrir espaço para mais pessoas competentes terem oportunidade.
Quando olhamos para a sociedade e conseguimos enxergar o benefício do crescimento feminino no mundo corporativo e o nosso papel histórico nesse processo, entendemos que o que é menor deve ficar no seu lugar. Com sua pequenez.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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