Quanto mais vejo os noticiários, mais entendo que é hora da coragem. No último ano, quando assisti, pasma, a machistas se reassumirem por considerarem que o ambiente estava propício para tirarem suas máscaras corporativas de “politicamente corretos”, pensei que tínhamos perdido a luta a favor da equidade de gênero entre mulheres e homens.
Devo confessar que fiquei desanimada. Mas meu desânimo durou pouco. Logo vi que, em contrapartida, diversas empresas e executivos assumiram o poder de seus cargos para dizer não ao retrocesso. Enquanto alguns recuavam, outros se mostravam. Hoje tenho certeza de que essa luta será vencida, porque à semelhança de outras lutas relacionadas à justiça social – como a escravidão, por exemplo – ela depende da mudança de moral social. E acreditem se quiserem: podemos não saber quais são os melhores caminhos para prosseguir, podemos ficar assustados com uma nova ordem social, mas a mudança da moral social já andou o suficiente para não conseguir voltar atrás.
Tenho consciência de que uma luta longa nos aguarda. Que ainda daremos voltas e curvas desnecessárias. Não sou ingênua para acreditar que todas as empresas que dizem estar buscando a equidade, tenham colocado essa meta de forma genuinamente prioritária. Sei que há imagem de fachada e que a hipocrisia corporativa existe – como não haveria, se as empresas são feitas de pessoas e hipocrisia é uma característica humana? Mas também sei, conheço, entrevisto e vejo mulheres e homens usando com plena propriedade o poder de seus postos para romper com a herança infeliz que é o machismo.
O que falta aos outros? Coragem. Ouvi esses dias de uma amiga que coragem tem a ver com solidão. Fez todo o sentido para mim. Coragem nos desloca e nos isola da maioria. Nos coloca num lugar que muitos desejam, mas poucos se atrevem. O líder, especialmente nestes tempos de transição de valores, precisa ser corajoso. Corajoso para mudar sua própria forma de ver o poder. Corajoso para assumir o seu lugar de líder. Para romper com o status quo corporativo que estereotipa os gêneros. Corajoso para trazer inovação e abertura para o novo. O mundo novo que está se consolidando aos poucos é mais equitativo. Só não vê quem não quer.
Quando ouço, durante minhas entrevistas, mulheres inteligentes, decididas e batalhadoras me contarem suas vidas, seus sonhos e suas ambições, muitas vezes noto nelas, em oposição à sua própria história de vida, receio de romper com um modelo mental antigo sobre o que é ser mulher. Parece que estão no borderline, com um pé no mundo atual e outro bem fincado no passado. Lutando pela independência financeira e, ao mesmo tempo, recuando do destaque por medo de perder o companheiro. Querendo mostrar uma liderança firme, objetiva e competente e, simultaneamente, temerosas de parecer pouco femininas.
Creio que assim estamos todos, num estado de quase incoerência. Acredito que esse movimento humano faça parte do tempo de transição de valores. Andamos como se estivéssemos revestidos de um tecido quase transparente e elástico, que nos permite o movimento, mas nos impede de ir mais longe. Rasgar esse tecido é uma decisão pessoal, e a única forma que vejo de tomá-la é se apropriar da coragem que nos trouxe até aqui e assumi-la de vez. Porque é com a coragem que conseguimos ousar a ser quem realmente somos e queremos ser.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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