Há tempos acompanho como as mulheres – e os homens – vêm se sentindo. Em 2010 as mulheres estavam numa contradição. Por um lado carregavam o discurso de autossuficiência e de ser poderosa, embaladas pela mídia e pelo discurso feminista, que atingia multidões. Por outro lado, sentiam-se tristes e raivosas – este último sentimento pelo qual se passa, infelizmente, quando se aprofunda em questões de injustiça social, como o machismo. Sentiam-se assim devido à perspectiva de não conseguirem um companheiro em quem pudessem confiar e a quem se entregar. Notavam que ao se fortalecerem como mulheres e colocarem novos limites de respeito, havia grandes chances de ficarem sozinhas ou de manter uma relação amorosa em constante pé de guerra.
Mesmo com essa contradição, o movimento feminista conseguiu mais adeptas e alcançou grandes avanços sociais: as mulheres vêm fortalecendo sua autoestima, estipulando limites mais respeitosos nas suas relações, e as empresas vêm mudando sua governança, caminhando para uma equidade de gênero. Mas as mulheres querem namorar. Ter alguém ao seu lado também é uma questão de autoestima. Até porque fomos criando o mundo para ser desfrutado a dois. O número ímpar, lamentavelmente, parece que sempre está sobrando.
Anos depois, em torno de 2014, notei que as mulheres que faziam parte desse movimento e os homens – nem todos, é claro – encontraram o caminho do meio entre as exigências e limitações de um e outro, e o amor romântico-companheiro se tornou um dos caminhos escolhidos para seguir adiante. Por alguns anos essa relação, entre a mulher mais segura de si e seu Homem Sensível – nome que dei ao novo homem que surgia em oposição ao machão latino, no Movimento Humano de mesmo nome – foi de vento em popa. Acompanhei esse tipo de relacionamento nos meus estudos e me encantei com esse homem que buscava aprender a liberar sua sensibilidade e vulnerabilidade.
Em 2016 e 2017 notei que algo não ia bem na maioria dessas relações. Alguns Homens Sensíveis tinham se acomodado, e a mulher tinha se tornado quase mãe deles. Outros, mesmo em um patamar superior se pensarmos na questão da equidade de gêneros, estavam voltando ao lugar de Majestade. Um lugar que demarca privilégios pelo simples fato de ser homem. E a mulher?
Voltei ao campo para pesquisar no início de 2020 e o que noto é que ela está cansada. Cansada de tentar, cansada de brigar, cansada de buscar. A sensação que me passa é de que ela está naquela trégua em que analisa se é melhor ficar ou ir embora O seu homem é melhor do que os homens de dez anos atrás. Mais companheiro, apesar de não dividir igualmente as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos, ele ajuda nessas atividades – um avanço em relação ao homem machista. Mas a mulher ainda precisa se colocar no papel de cobradora – um dos motivos de seu cansaço – quanto à atenção que os filhos necessitam, a responsabilidade com a questão financeira, ao tipo de gasto desnecessário, à divisão da parte chata de ser pai & mãe e cuidar de um lar, ao tempo de lazer pessoal versus o tempo dedicado à família.
Sinto que a mulher sabe que ficar só é ruim. Pelo menos, em um relacionamento, tem aconchego em casa e alguém com quem falar de quando em quando – nem sempre, mas tem. Se sente segura com a presença masculina ao seu entorno. Quando pensa nos filhos, pensa que, em caso de separação, é provável que o pai se afaste deles ou diminua o dinheiro que dá para eles. Assim ela tenta se convencer de que talvez seja melhor manter como está. Vive se dizendo que não há homem perfeito e buscando no seu atual companheiro os motivos – ou pretextos – para continuar do jeito que está. Mas ela está feliz? Boa parte das minhas entrevistadas, infelizmente, não.
A sensação que as entrevistadas me passaram é de que tanto esforço com a luta pela equidade de gênero – que em resumo, para a maioria, significa, no plano pessoal, uma relação mais respeitosa –, gerou um avanço significativo no comportamento masculino, sem dúvida. Só que esse avanço é aquém do que o esforço merecia ou elas esperavam. E, por conta disso, estão cansadas de forçar a corda, de se colocar e até de dialogar. Considero importante ressaltar que essa análise foi realizada antes da pandemia. O que significa que o isolamento e a tensão gerada pelo medo da morte e a perda financeira podem acirrar, mais ainda, esse cenário.
Compreendo o sentimento de boa parte das minhas entrevistadas, só que também acredito que ainda é cedo para abandonar a luta da busca pela equidade entre homens e mulheres. Precisamos seguir firmes, se não for por nós, pelo menos que seja por nossos filhos e pelas próximas gerações. Para que eles recebam – meninos e meninas – um mundo de maior respeito entre os gêneros. Um mundo de maior harmonia. Porque, afinal, todos ganhamos com um mundo assim. Foi graças àquelas que vieram antes de nós, e não se cansaram de enfrentar um mundo mais duro e cruel para as mulheres, que hoje nós conseguimos chegar aonde chegamos. Façamos o mesmo, apesar do cansaço.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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