Dizem que o cuidar é do feminino; desculpem, não concordo. Concordo mais com a ideia de que isso é uma convenção cultural, mas, como este texto não pretende discutir esse assunto, vamos junto com a maré: se cuidar é do feminino e empresa ou corporação são substantivos femininos, que tal cumprir essa convenção social?
Após meses de isolamento e trabalhos remotos, as empresas estão voltando ao trabalho presencial e isso implica, necessariamente, lidar com a complexidade da sociedade num ambiente controlado e comumente tenso, que deve piorar com os medos que estamos carregando no nosso consciente e inconsciente – serei demitido? A empresa vai fechar ou reduzir? E se a pandemia não passar? E se vierem mais pandemias?
A saúde mental nunca se tornou tanto o foco de conversas corporativas como agora. É claro que me refiro a empresas que têm um olhar humanizado sobre seu papel com suas pessoas. Na volta ao trabalho presencial, ninguém voltou igual. Impossível. Casamentos se desfazendo, pedofilia e violência doméstica em alta, economias familiares comprometidas, desmatamento, incêndios, explosões, e a política, como sempre, não ajudando em nada a gerar estabilidade – exceto a dela própria no poder.
Mesmo que esses assuntos não tenham atingido nosso núcleo familiar, estão ao nosso redor impactando nosso emocional. Podemos acreditar que estamos bem, só que nosso sono intranquilo, que pode levar a quebrar um dente – meu dentista me contou que teve um aumento considerável desses casos na sua clínica por conta do ranger dos dentes noturno –, denuncia que somos humanos e a pandemia nos afeta de várias maneiras.
É nessas horas que a empresa mostra seus verdadeiros valores – além dos publicados e propagados. Como trata seu funcionário na sua volta? Qual é o apoio oferecido? Qual a dinâmica que permite tratar de assuntos subjetivos que influenciam na produtividade? Muitas empresas se organizaram com seus protocolos higiênicos e seus fluxos de produtividade, mas quantas o fizeram para receber e acolher pessoas estressadas?
Acompanho em casa casos de empresas que vêm se preparando há alguns meses para uma acolhida, também psicológica – meu marido trabalha com cultura organizacional e o ouço ajudar no planejamento de empresas que buscam tratar de assuntos delicados de frente. Deixar a porta aberta para que as pessoas – as suas pessoas – se sintam apoiadas e amparadas. Empresas que investem para oferecer o suporte necessário para que todos possam seguir em frente da melhor maneira possível. Empresas que entendem que o ser humano precisa de apoio não só de metas. Sempre que o ouço discutindo essas questões, me pergunto, quantas empresas que contam com os recursos possíveis estão se preparando assim? Investindo assim?
É sobre essa mudança de moral que venho falando e escrevendo. A moral já mudou e uma empresa que só olha suas pessoas como peças que geram produtividade estão, realmente, com seus dias contados, especialmente entre os jovens e entre os mais bem preparados.
Como fazer a mudança? Começando. Simples assim, embora tenha consciência que não seja fácil. Precisa agir: pode ser desde o líder recebendo todos no início do dia e promovendo uma roda de conversa – com todo o distanciamento social necessário – para saber como estão e ouvir mais e falar menos; até – se o orçamento o permitir – contratar especialistas para promover o diálogo. Com ou sem dinheiro, é possível. Basta ter um olhar humanizado sobre a vida, as pessoas, os negócios e o ambiente em que se trabalha. Estamos em tempos de escolha, lembra? Então, porque não iniciar o nosso “novo normal” corporativo de uma forma mais humanizada?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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