No domingo de Páscoa, com o mundo silencioso em função da pandemia da Covid-19, fiquei emotiva. Assisti compenetrada ao concerto do tenor Andrea Bocelli feito na Catedral Duomo em Milão. E pensei. Pensei em todas as famílias separadas por conta do isolamento que não puderam se abraçar nem compartilhar a tradição das trocas dos ovos de Páscoa. Pensei nas mortes que assolam famílias pelo mundo inteiro. Pensei em famílias que ficaram com o corpo inerte de seu ente querido por dias, até as autoridades poderem ir buscar, dado o volume de mortos. Pensei na imagem que vi do Equador, com as pessoas deixando os corpos na rua porque não há serviço de retirada. Pensei na vala comum que foi criada próximo a Nova York. Pensei nos vulneráveis que nem comida têm, imagina ter sabão e álcool gel. Pensei nos profissionais que estão de cara com a doença todo dia, se expondo e expondo suas famílias pelo bem da sociedade. Pensei, meditei e orei. Foi aí que fiz algo que faço desde pequena quando a situação me dói muito: vou para um futuro imaginário, intencionando que se torne verdade.
Sonhei que todos no Brasil seriam responsáveis coletivamente, independentemente de suas crenças ou de seu posicionamento político e social. Sonhei que o amor ao próximo seria maior do que as dúvidas pessoais. Sonhei que não existiriam os negacionistas, que há séculos são contra toda comprovação científica e buscam criar teorias conspiratórias para se sentirem, quem sabe, mais inteligentes que os outros. Sonhei que até os mesquinhos, gananciosos e apegados ao ter, apavorados de ficar com menos dinheiro, permaneceriam em casa. Sonhei que aqueles que acreditam que o melhor caminho para ajudar é ir trabalhar e não deixar a economia parar, também decidiriam respeitar o isolamento. Sonhei que os pobres com renda que nem dá para uma semana – ou quem sabe nem para o dia seguinte – deixariam de se apavorar com a falta de dinheiro, confiando que, de alguma forma, tudo se rearranjaria. É um sonho, não é mesmo?
Sonhei que, sendo assim, os infectados iriam ficariam isolados e seriam tratados. Sonhei que o sistema de saúde, que é quem colapsa e acaba não conseguindo evitar as mortes, mesmo dos que têm um físico bom e saudável, daria conta dos infectados. Sonhei que cada pessoa que tivesse que sair estaria de máscara e manteria o distanciamento de 2 metros. Sonhei que aqueles que chegassem do exterior ficariam isolados pelos 14 dias recomendados pelas autoridades, para evitar que o vírus ingressasse no país novamente. Sonhei que por precaução faríamos 3 semanas de isolamento. Sonhei que dessa forma, em menos de um mês, o Brasil teria ganhado a guerra contra o vírus e voltaria a sua vida normal, produzindo, fazendo a economia girar, permitindo que as pessoas convivessem com quem amam, cuidando umas das outras.
Quando saí desse sonho consciente estava melhor. No meu coração, entendo que somos diferentes e acredito na diferença como o meio mais pleno de vida e de sociedade. Ás vezes a diferença faz que todos demos o salto necessário. Ás vezes, ela nos leva ao buraco que ninguém quer. Faz parte da diversidade. Existe a famosa frase que diz que quem dita o ritmo do comboio é o mais lento. Concordo com ela. O ritmo do avanço social é ditado pelos mais resistentes, pelos ignorantes, pelos prepotentes, pelos incrédulos, pelos alienados, pelos desorientados… E por incrível que pareça, é essa a riqueza da diversidade social.
Num período de pandemia, como aprendemos in loco com o coronavírus, não há margem para grandes erros. Isso significa muitas mortes. Temos que ser conservadores e seguir os dados. E quem são os que têm os dados e se tornam os sábios a ser ouvidos: os médicos e os cientistas. Por que? Porque suas informações não estão embasadas em crenças, opiniões ou concatenações mentais de premissas. Elas estão embasadas em dados. E elas salvam vidas em tempos escuros e confusos, como o da pandemia Covid-19.
Com esse sentimento de realidade sobre a sociedade, trouxe para meu coração a clareza de que estamos em Tempos de Escolhas. Escolhas morais e ações afirmativas de nossos valores mais genuínos. O que irá ditar um novo tempo no planeta e nas sociedades. Há os que se encerram em seu egoísmo e em seu mundo. Há os que se unem solidariamente e colaboram. Há os que doam, há os que guardam para si todo recurso com medo do futuro. É uma escolha. Talvez uma das maiores que tenhamos tido, coletivamente, nos últimos séculos.
Trouxe também para meu coração as atitudes de milhares de pessoas que estão se mobilizando em prol do outro. Doações seja em forma de objetos, alimentos ou entretenimento. Ações amorosas. Trouxe também as ações que milhares de empresas estão fazendo para ajudar a sociedade. Sinto orgulho de cada uma delas e estou guardando seus nomes para honrá-las como consumidora, palestrante e escritora. Ainda bem que, mesmo que quem dite o ritmo do comboio seja o mais lento, há outros que ajudam a empurrá-lo.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
0 Comments
Leave A Comment