Existe o antigo ditado que diz: “onde se ganha o pão não se come a carne“. Desde que aumentamos enlouquecidamente as horas de trabalho, o pão e a carne dividem o mesmo espaço. Não poderia ser diferente: para quem se dedica intensamente à carreira profissional, os lugares de maior interação social são, quase na maioria das vezes, o ambiente de trabalho e estudos. Ao mesmo tempo, não existe ponto mais cruel do que o sexo e amor para trazer à tona o machismo corporativo.
Sou da geração para a qual ter casos – fossem entre solteiros ou casados – era comum, embora as pessoas carregassem o peso do errado (pecado?). Lembro algumas ocasiões em que alguém falava de uma executiva e, como se fosse parte da apresentação de seu currículo, era(m) mencionado(s) seu(s) caso(s) no ambiente de trabalho. Se a executiva tivesse tido um caso com seu chefe ou alguém da hierarquia superior a ela, muitas vezes isso aparecia como parte de seu diferencial para crescer profissionalmente. Não lembro, em trinta e três anos de vida profissional, uma única vez em que comentários com o mesmo tom tivessem sido feitos sobre um homem. Quando era ele quem tinha casos a serem relatados, era o garanhão. E, dependendo do ambiente, essa definição não significava algo negativo.
Mesmo assim, executivas e executivos com diversos casos amorosos, ou simplesmente sexuais, despertam nas pessoas um imaginário atraente. Não é de hoje que sabemos que o Poder Sobre (o tipo de poder que existe a partir da subjugação descrito no Movimento Humano Poder Isonômico) e a atração sexual andam próximos. E ambos, talvez pelo lado pecaminoso com que foram colocados na nossa sociedade, atraem ao mesmo tempo que repelem.
Nesse contexto, o que acontece com as mulheres executivas é que, quando elas são mais liberais nas questões amorosas e sexuais, elas fazem o estereótipo perfeito da mulher masculinizada (no sentido de poder) e perdida. Como se mulher não gostasse de sexo. Perdida na sua feminilidade, perdida no seu valor mais nobre que deveria ser a maternidade – mãe boazinha não pode ter muitos amantes –, perdida na ideia de retidão que ainda tenta se impor às mulheres. O homem pode ser devasso. A mulher não. Dizem que faz parte da natureza humana. Para mim, faz parte da forma como o sistema patriarcal criou nossas regras morais.
Nascida num país conservador, logo cedo compreendi que a dignidade e o caráter de uma mulher não radicavam na virgindade (ou em ter poucos parceiros, para ser mais moderna). É claro que depende do que cada um entende por dignidade e caráter (no sentido positivo). Durante meu caminhar profissional, no Brasil, fui reconhecendo “virgens” que eram pessoas más, e mulheres com uma vida sexual bem ativa, admiráveis pelo caráter humano. Ao mesmo tempo, observei o contrário. Por isso a correlação entre virgindade e caráter positivo não faz mais sentido para mim.
Qual é o ponto, então, que gostaria de trazer à reflexão neste texto para as mulheres executivas? A questão, acredito, não está na frequência da vida sexual dentro do mundo de sua profissão, mas, sim, na relação que se tem com esse tipo de relacionamento. O sexo muda toda relação. E não querer assumir isso é besteira. Por mais liberais e progressistas que possamos ser, carregamos em nós – e na sociedade da qual fazemos parte – a cultura da virgindade (no sentido da sua simbologia). Quando somos livres no sexo sabemos que estamos sendo transgressoras. E isso nos coloca num lugar de fragilidade. Especialmente num ambiente que detesta a transgressão, como é o ambiente corporativo.
Ao mudar a relação que temos com nosso colega, subordinado, superior, parceiro ou cliente, vamos ter que lidar com isso. Podemos ser maduras e lidar com tranquilidade, mesmo que nunca saibamos como o outro vai lidar com a nova relação que se estabelece. E devemos estar preparadas para qualquer tipo de reação. A questão mais delicada é quando a alteração na relação também muda a nossa performance profissional. E, infelizmente, é o mais comum de acontecer.
Vejo as mulheres se envolverem e perderem seu equilíbrio emocional, o que ocasiona uma mudança na sua qualidade profissional. O território do sexo e amor (mesmo que eles nem sempre andem juntos) ainda é um território mal resolvido para a maioria das mulheres – por conta dos resíduos da cultura da virgindade que mencionei anteriormente. São poucas as mulheres, mesmo entre as executivas mais bem resolvidas que conheço, que lidam em paz com a imagem de liberais no campo do sexo.
Algumas podem me perguntar, então é para não se envolver com ninguém no ambiente de trabalho? A resposta é: não é isso. Até porque considero isso quase impossível, especialmente para as solteiras que estão na fase dos encontros, mesmo que existam empresas que coloquem regras para evitar esse tipo de relacionamento. Como disse antes, pelo volume de horas que dedicamos à carreira, é mais comum encontrar nossos parceiros e envolvimentos amorosos e sexuais no ambiente de trabalho ou correlatos (cursos, amigos de colegas, etc.).
O meu pedido é que entendam que o sexo muda as relações, que estamos no borderline entre o modelo cultural conservador e uma cultura de maior respeito às diferenças, e que devemos ter a força de carregar essa mudança como líderes, assumindo nossas ações de peito aberto e firme. Devemos entender que não existe mais vida pessoal distante da vida profissional – divisão que nos permitia ter quase que uma quase vida dupla. Portanto, temos que assumir nossos atos com maturidade e, se a relação mudar, tentar fazer com que seja uma mudança positiva para nós, para o outro e para a empresa em que estamos. Afinal, intimidade não é o problema. O problema é não sabermos lidar com ela.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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