Quando ouço homens e mulheres falando sobre suas tentativas de estabelecer uma relação amorosa duradora e feliz, penso em como é difícil conseguir um companheiro para toda a vida. Como é difícil ser feliz numa relação a dois. Creio que sempre foi. A diferença é que o desejo de ser feliz não era um objetivo de vida para nossos pais e antepassados. A maioria queria uma vida boa – segura, confortável e estável –, mas aceitava as dificuldades como uma realidade quase imutável.
Nas últimas décadas, fomos aperfeiçoando o conceito de felicidade como meta de vida. Nessa jornada, a maioria chegou ao consenso de que a vida a dois é melhor do que a vida a sós para se viver feliz. Só não deu tempo de descobrir como se faz para ser feliz a dois. Muitas vezes parece contraditório ao pensamento de ser feliz individualmente.
Quando decidimos sair do severo jugo social que limitava nossa vontade de ser do jeito que queríamos, iniciamos uma longa viagem ao descobrimento de nós mesmos. Saber quem somos parecia ser fundamental para saber o que nos faria felizes. Alguns foram para o autoconhecimento através de terapias e informação. Outros, para o autoconhecimento provocado pela experimentação. Ao longo do tempo, todos compreenderam que a busca por saber quem se é podia ser uma viagem complexa sem fim. Embora, boa parte tenha desistido no meio do caminho, como sociedade, atingimos um outro nível de consciência.
O resultado de todo esse longo movimento social em busca do autoconhecimento é que estamos mais conscientes de nós mesmos, e tiramos vários véus de ignorância sobre a sociedade em que estamos inseridos. Esse é um dos resultados positivos do individualismo. Acredito que essa mudança no nosso nível de consciência seja um dos motivos para estarmos em uma fase tão movimentada e acelerada de transição de valores.
Fazer parte da transição de valores é estar confuso. Não há certezas nem convicções suficientemente fortes para não serem questionadas seriamente. Por medo, fincamos o pé naquilo que consideramos sólido e firme. Por vontade, avançamos na espera de algo que alegre mais nossa alma. É assim que também agimos no amor.
Todos querem um amor diferente do passado. Desejam um amor carinhoso, que acalente, que dê segurança emocional e financeira. Todos sonham em se tornar dois velhinhos andando de mãos dadas. Companheirismo no amor é um dos grandes desejos. Poucos se avaliam se eles próprios são esses companheiros amorosos. A maioria busca que o outro preencha os requisitos, e poucos olham para si. Aspirar à felicidade tornou as pessoas mais egoístas. Esse é um dos resultados negativos do individualismo.
Uma relação amorosa é um contrato entre dois indivíduos que desejam caminhar juntos, de preferência, da melhor forma possível. As pessoas estão tão focadas na sua própria felicidade e guiadas pelo medo da infelicidade que não querem ceder nada. Querem ser aceitas como são. Chamam isso de respeito à sua própria personalidade. E provavelmente seja. Só que respeito numa sociedade – e um casamento é um microcosmo social – é uma via de mão dupla. Nosso desejo de ser como somos acaba no limite que bate com o outro. Esse é o jogo do amor. Uma dança que não traça limites, mas que envolve os bailarinos num acordo em busca pela sintonia e harmonia dos movimentos.
Como ceder se tudo a nossa volta grita que para ser feliz, temos que ser nós mesmos? Ceder deixa as pessoas angustidas, como se estivessem abrindo mão de sua felicidade. Nos homens essa angústia é ainda maior porque ceder é como se estivessem sendo derrotados. Destronados e retirados de seu lugar de majestade.
Nesse momento se estabelece na relação a nem sempre silenciosa batalha da resistência. Finca-se o pé no passado individual – “eu sempre fui assim”, “você me conheceu assim” – até ver quem cede primeiro. Aí pias vão se enchendo de louças, casas vão ficando sujas e desorganizadas, noites são mal dormidas enquanto o par está exercendo seu direito de diversão na rua.
Cede quem mais ama? Acredito que cede quem se nega a romper a relação. E isso nem sempre é amor. Os motivos podem e costumam ser múltiplos. Provavelmente quem vive nessa guerra de impor “sua” felicidade ainda não entendeu que vida feliz a dois é diferente de vida feliz individual. Quanto mais pessoas colocarmos nessa equação, menos a felicidade individual prevalecerá.
Então como atingir minha felicidade individual? Migrando o sentido de felicidade. Se assumo que ser feliz a dois é fundamental para meu eu individual ser feliz, então preciso ressignificar meu sentido de felicidade.
Quanto mais amadurecemos, mais compreendemos que a vida é feita de trade-off, escolhas. Que, quando escolhemos necessariamente, abrimos mão de algo. Querer ter tudo não tem a ver com o processo de amadurecimento. Lembrando que a plenitude que tanto nos evoca a felicidade, só vem com o amadurecimento.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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