O sonho de ficar em casa à toa ou fazer home office sem trocar o pijama se concretizou. A pandemia de COVID-19, provocada pelo Novo Coronavírus, tornou isso realidade. Ao acompanhar o desenrolar do dia a dia dessa pandemia e tomando consciência da sua gravidade, não tenho como evitar pensar em como dever estar sendo a convivência de casais entre quatro paredes sem opção de fugir ou se distrair.
Tantos anos ouvindo homens e mulheres me contarem suas vidas, suas rotinas, suas escolhas, seus amores, suas decepções me levaram a compreender que vida feliz a dois, da forma como ela é idealizada, não passa de uma grande aspiração. Grande parte das pessoas, infelizmente, vive relacionamentos monótonos, conflituosos, desrespeitosos ou até desgastantes. Como suportam? Por vários motivos e um deles, talvez um dos mais influenciadores, é que a maioria dos casais em volta vive assim, de forma que o relacionamento amoroso pessoal é parametrizando por essa média. No fundo, somos levados a acreditar que é assim mesmo. E, dentro dessa constatação, talvez até nos sintamos afortunados.
Outro ponto que leva a suportar relacionamentos infelizes é que muitos deixaram de amar e nem notaram. Envolvidos nas obrigações, focam toda a sua atenção nas crianças e em pagar contas. Acreditam que nem seja falta de amor o que sentem, mas que é o tempo de relacionamento que torna tudo meio frio e distante. Às vezes há uma amizade e parceria que dão certa leveza ao relacionamento. Quando o relacionamento sai dessa monotonia e passa a ser conflituoso, suportá-lo torna-se um grande sacrifício que desgasta a alma e acaba aos poucos com nossas forças.
Evidente que há relacionamentos estáveis, equilibrados, saudáveis, respeitosos e felizes. Pena que o que vejo nas minhas pesquisas é que são a minoria. Talvez por isso tanto se busque a fórmula mágica da felicidade no amor. Talvez por isso os filmes, músicas e histórias românticas nos envolvam tanto. Talvez por isso fiquemos deslumbradas rapidamente com a possibilidade de um novo eterno-amor que deve durar algumas semanas. Ansiamos por um sopro de esperança e paixão. A gente costuma buscar o que nos falta, certo? É também essa constatação que me leva a escrever para vocês e gerar a reflexão que possa trazer lucidez para que tomem suas vidas em suas mãos.
Alguns me perguntarão: “por que casais infelizes continuam juntos?” Porque acreditamos que é pior ficar sozinha e porque, no fundo, a gente se acostuma à vida mediana e infeliz. A rotina, a quantidade de tarefas diárias e de responsabilidades nos tiram da percepção do que sentimos e queremos. Do que nos faz bem. Do que nos faz mal. É tanta coisa para fazer e resolver que nem dá tempo de saber o que estamos sentindo. Muitas vezes é até uma fuga, consciente ou não. Estarmos ocupados o tempo inteiro é não querer ouvir nossa voz interna, já me dizia uma mestre querida. Acredito nisso. Silenciar é entrar em contato conosco e nossos sentimentos mais internos. Mesmo com o avanço da meditação e do mindfulness, nem todos conseguem.
Sabendo disso, tenho pensando nos efeitos desse vírus que veio nos confrontar ao nos tirar da nossa rotina. Das nossas certezas. Dos nossos planejamentos ou ilusões. Veio nos restringir a espaços, na maioria minúsculos, e nos fazer conviver diariamente com aquela pessoa com a qual decidimos nos unir. Casais que às vezes nem se suportam mais. Casais que, às vezes, em público, não perdem a oportunidade de se alfinetarem ou tirarem sarro um do outro em tal tom que todos notam que é mais do que uma simples brincadeira.
Fico pensando nas pessoas presas em relacionamentos abusivos, que vivem com medo da irritação do outro. Como será estar entre quatro paredes, dia após dia, com alguém que, irritado, costuma ser agressivo? Há alguns anos peguei carona com uma pessoa que no caminho ligou para seu esposo avisando que estava indo para casa. A voz e a troca de palavras entre os dois – eles estavam no viva-voz do carro – me alertaram para o desalento que era voltar para casa e se encontrar.
A pandemia veio nos mostrar muita coisa sobre o mundo em que vivemos e sobre nossa conexão e integração como seres humanos. Ela ajuda a compreender o sistema em que todo o planeta vive. E, também, ajuda a olhar para nós e decidir como iremos sair do isolamento. Nos obriga a olhar para as escolhas que fizemos ao longo da vida e que carregamos porque simplesmente nos acostumamos a elas ou porque temos medo de mudar.
Ajuda a Sentir. Tudo o que criamos ao redor para nos afastar do nosso Sentir agora cai por terra. Podemos continuar grudados nas notícias, nos chats, nas redes, podemos nos ocupar arrumando armários e gavetas, mas uma coisa lhes digo: o tempo vai passar e uma hora não haverá mais gavetas nem armários, e teremos que sentar e olhar para a pessoa que escolhemos e refletir se é isso que queremos para nossa velhice. Até porque, de certa forma, a velhice significa viver uma vida bem próximos um do outro. As tarefas nessa faixa etária são menores e o tempo juntos, maior. É isso que queremos?
Pode ser que ao final do isolamento você reitere seu voto com a pessoa com quem decidiu se unir. Que bom! Siga adiante e não tema os balanços necessários que a vida nos impõe. Se esse não for seu caso, olhe para dentro de si e comece a planejar o que você vai fazer ao descobrir que não ama mais.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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