Tenho pensado nas consequências emocionais e comportamentais do período de isolamento por conta da Covid-19 nas nossas vidas. Por mais que não percebamos, semana após semana isolados, mudamos. E isso influenciará o relacionamento com o trabalho executivo. Nossa rotina e nossa forma de agir no mundo corporativo viraram de cabeça para baixo e talvez nem notamos. Nossas prioridades ficaram confusas e nossas certezas foram jogadas ao rio que corre solto em direção a algum destino que desconhecemos. Só isso já cria uma instabilidade emocional que nem todos têm capacidade de aguentar e, muito menos, lidar. Alguns de nós se apoiam na ideia de que voltarão e retomarão a vida no ponto em que ela parou. Impossível. Especialmente para as executivas que são mães.
Ficar isolada – só para não dizer trancada, em casa, 24h, dia após dia, com os filhos modifica qualquer relação com a vida e com o papel da maternidade. Deve haver mães que não veem a hora de voltar a sair e ficar a maior parte do tempo distante de casa e dos filhos. São aquelas que os detalhes incomodam por considerá-los desnecessários. Ou que valorizam seu próprio prazer sem culpa – qualquer doação de tempo e espaço para os filhos e as questões domésticas parece um sacrifício grande demais para compensar fazê-lo. São as famosas mães ausentes que, mesmo amando seus filhos, se envolvem tanto com o trabalho que a relação com eles tem um quê de superficialidade. Muitas vezes, mãe e filhos desenvolvem uma relação em que compartilham bons momentos, discutem as grandes decisões e o apoio financeiro. Quem é assim sabe: os filhos se adaptam e, embora vários deles carreguem mágoas, a maioria desenvolve suas vidas sem grandes traumas.
Há as mães executivas que carregam a culpa da ausência todo dia. Para estas, voltar à rotina executiva que as tira do convívio constante com os filhos será sofrido. Costumam ser mulheres que gostam dos detalhes da educação. Veem a maternidade como uma responsabilidade social: sabem que carregam a missão de criar seres humanos para o mundo. São mulheres que amam trabalhar e se realizam profissionalmente, mas voltam para casa com a sensação de terem falhado porque perderam um evento do filho, não sabem de tudo o que aconteceu com a criança ou, quando observam algum comportamento dos filhos que desaprovam, pensam que a ausência contribuiu para isso acontecer.
Para elas, a delícia de estar em casa é poder conviver com os filhos os pequenos detalhes. É saber mais do que o dia a dia das crianças, é descobrir o hora a hora delas. Mesmo que fiquem longos períodos em reuniões virtuais, estão ao lado. É só sair do quarto. Mesmo com fone de ouvido, é poder enxergar e fazer um gesto de aprovação, reprovação ou de amor. Como será ter que voltar sabendo que trabalhou, produziu e conseguiu fazer o que era necessário mesmo sem estar na empresa? Como aguentar as horas quase infinitas de reuniões nem sempre necessárias, nem sempre produtivas, enquanto poderia estar em casa, produzindo e convivendo com os filhos? Como perder tantas horas do crescimento deles por algo que nem sempre estão de acordo?
Penso também em como ficará a disposição das executivas mães para as rotinas corporativas que nem sempre são saudáveis ou mesmo lógicas. Como será ter que acordar quase de madrugada para pegar voos só para aproveitar melhor o dia? Mais ainda quando quase todos nos acostumamos a dormir algumas horas a mais do habitual durante o isolamento? Como será ficar longe de casa, ter que ir a jantares e eventos que às vezes incluem finais de semanas? Emocionalmente, como será voltar a uma rotina antiga que parece desconectada como nosso mundo interno? Com as emoções e sentimentos que emergiram durante o período de isolamento graças à Covid-19?
Considero vital as empresas e seus executivos, especialmente de RH, refletirem sobre a mudança emocional e de mindset que a pandemia promoverá em cada um de nós. Devem, em minha opinião, se preparar para ajudar seus colaboradores a recriar um novo ambiente cultural. Um ambiente com valores e prioridades modificadas, que proporcione saúde mental, psíquica e emocional. É um longo e novo caminho de acertos e erros que será fundamental para a construção da cultura de uma corporação pós-pandemia.
Uma corporação que abrace esse novo ser humano que está emergindo. Especialmente as mulheres, que voltarão com força ao velho e não resolvido dilema: conviver mais com os filhos versus o amor à carreira. Talvez a insegurança financeira as faça optar pela corporação, mas a infelicidade poderá ser grande. Maior do que antes. Precisaremos agir com sabedoria olhando para o humano e, a partir dessa prioridade, olhar para o negócio.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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