Provavelmente quando este texto for publicado, estarei voando em direção à Índia. Sonho antigo que vou realizar. Estive pensando por que demorei tanto para embarcar nesse sonho… Foram várias as razões: tempo, dinheiro, outras prioridades e, sem dúvida, a resistência que meu marido tinha a conhecer esse país.
Sou aventureira por natureza e criação. Lembro que, quando pequena, meu pai pegava alguma estrada do meu país, sem necessariamente um roteiro previsto, com a família animada pela incerteza. Sensação que até hoje me entusiasma. Meu marido, pelo contrário, gosta do previsto. Além da personalidade e criação, considero que seja herança de tantos anos no mundo corporativo. Especialmente em empresas não latinas.
Somos diferentes em diversos aspectos. Isso nos leva a longas negociações durante as quais sempre me pergunto se ceder é culturalmente uma atitude feminina que o homem no fundo, espera. Refleti muito sobre esse tema no último ano e a resposta que tenho até agora é que sim: nós mulheres, somos ensinadas a ceder sob a alcunha de cuidadoras do bem-estar familiar.
Somos ensinadas a promover a harmonia na família e no ambiente em que estamos. É do feminino – nos ensinam – apaziguar, deixar de lado, ceder. Por conta disso, somos ensinadas a evitar o conflito. Associamos conflito com falta de delicadeza e, quem sabe, de maturidade. Não somos preparadas para enfrentar racionalmente um ponto de vista. Ou fazemos birra, melodramas, chantagens, gritamos, somos agressivas sem necessidade – tal o esforço para romper a barreira culturalmente criada -, ou cedemos. Quando a mulher discute com firmeza seu ponto de vista, é considerada como “mulher difícil“.
Refletir sobre nossas crenças em relação ao feminino costuma despertar em mim sentimentos que me desequilibram. Um deles, talvez o pior, é o sentimento de injustiça. Ciente disso, quando tomo contato com ele, aprendi a respirar fundo e olhar além da situação em si. Aprendi a evitar carregar num simples conflito doméstico a história toda de injustiça que o patriarcado, com sua cultura de machismo, tem promovido nas relações humanas.
Sabendo de todo esse contexto, nos últimos anos tenho tido o cuidado de equilibrar as decisões entre meu marido e mim. Ambos viemos de criação machista, portanto parecia “natural” que as escolhas dele fossem as mais sensatas para serem incorporadas. Aprendi que muitas vezes cedemos porque ficamos com receio de o nosso homem fique desapontado e chateado. Como uma criança mimada, temos receio de deixá-lo chateado.
Nesse processo de aprendizado mútuo, notei que o casal reduz sua capacidade de expansão pelo lado que tem mais restrições. Assim, quem gosta de ambientes reconhecíveis terá dificuldade em se abrir para locais muito diferentes da realidade ocidental. Foi o caso da nossa ida à Índia.
Por outro lado, eu sou vegetariana. Isso reduz bastante nossas opções alimentares. Todo restaurante que escolhemos passa pelo critério de ter, pelo menos, uma opção para mim. Depois dos cinquenta anos, ainda somei a decisão de evitar ao máximo comer carboidratos puros, o que limitou, consistentemente, nossas opções alimentares. O mundo considera que uma massa é “a” opção para o vegetariano, esquecendo que legumes, além de coloridos e bonitos, podem ser tremendamente apetitosos.
Trazer os dois lados ajuda a diminuir a sensação de injustiça. Evita que sejamos sempre as vítimas na análise de equidade. Contudo, precisamos, sim, lutar para equiparar as decisões de tal forma que tanto a mulher como o homem tenham um bom equilíbrio de direito de escolhas.
Falando sobre minha relação e parceria amorosa, é óbvio que o esforço é maior em mim do que nele – vamos sempre lembrar que quebrar um padrão estabelecido como correto exige força e persistência da parte que está em desvantagem. Mesmo assim, a colaboração dele tem sido fundamental para que a busca pelo equilíbrio das decisões esteja sendo feita com bom senso e tranquilidade.
Meu marido e eu entendemos que também faz parte do nosso papel social quebrar as crenças que tanto criticamos. Que essa realidade deve igualmente fazer parte da nossa intimidade. Mesmo que isso signifique perder privilégios que nos agradam. Falamos tanto em essência e propósito, não é mesmo? Então precisamos viver isso no dia a dia.
No ano passado, quando estávamos decidindo nossas férias do início deste ano, mencionei a Índia quase convencida de que seria, mais uma vez, vencida. Para meu espanto, meu marido disse “ok”. Fiquei tão surpresa que achei que ele não tivesse entendido. Sim, ele tinha. Decidimos então, dedicar nossas férias a esse meu sonho antigo. Por via das dúvidas, mesmo faltando vários meses, comprei as passagens. Vai que mude de opinião. Como disse, estamos em fase de aprendizado. Nessa fase, voltar atrás é sempre uma possibilidade.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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