Os movimentos emancipatórios – tais como o feminismo – vão empurrando a todos nós para fora do perímetro estabelecido pela sociedade patriarcal; porém, a forma como reagimos a esse estímulo traz consequências que só o tempo nos permite visualizar. Tenho acompanhado de perto as escolhas e decisões de uma mãe solteira, moradora de comunidade em São Paulo, e entendido que a segurança em ter e criar um filho sozinha talvez tenha promovido, mesmo sem querer, a irresponsabilidade masculina.
Desde que se soube grávida – sem nenhum planejamento prévio – essa mulher teve que enfrentar várias situações desgastantes e desmoralizantes. A primeira foi contar para o pai da criança. Como era de se esperar, ele não só ficou furioso como a insultou pelo descuido – obviamente, descuido que ele considera ser só dela. E aqui vem um ponto de reflexão: continuamos acreditando que a responsabilidade da gravidez é somente das mulheres?
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Perguntei para ela o que iria fazer após esse posicionamento do pai da criança, e a sua resposta me abriu para o entendimento de que quiçá o empoderamento feminino esteja levando à irresponsabilidade masculina no que se refere à paternidade:
“Meu filho não precisa de pai, vai ter a mim”.
Fui atrás de outros casos para saber se era uma atitude isolada ou não. Entendi que não. Para as mulheres pertencentes às classes econômicas mais baixas, se libertar de um homem que bebe, que as maltrata ou que lhes custa dinheiro – já que alguns homens não arranjam um trabalho permanente – já é um grande avanço. Viver em comunidade e não ser vista como uma trouxa que aguenta homem só porque “não quer ficar sozinha” é ser empoderada.
Entendo esse passo dado em direção à libertação da necessidade de ter homem para se sentir completa, correta ou com valor. Esse caminho – talvez imprescindível – de empoderamento feminino pode, contudo, estar levando o homem a se sentir livre de qualquer responsabilidade paternal. Nas investigações exploratórias que fiz, notei que as próprias mulheres aceitam homens – seja como amigos, irmãos, filhos – que não assumem a responsabilidade da sua paternidade. Esses homens não sofrem nenhum tipo de reprimenda ou punição social; eles continuam livres e felizes convivendo com as mulheres que se esforçam para conseguir criar seus filhos sozinhas.
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Segundo o IBGE (2015), entre 2001 e 2015, houve um aumento de 105% de mulheres que chefiam famílias no Brasil e, ainda, de todas as formações familiares, 15,3% são das chamadas mães solteiras. Conversando com elas, tentei apresentar o ponto de como estávamos livrando os homens da responsabilidade, e percebi que elas conseguiam entender esse ponto, mas é mais fácil, socialmente, elas se posicionarem como seguras de si próprias – do que ainda colocar esse homem na justiça. Quando isso é feito, a comunidade cai em cima delas.
“Não preciso de homem, meu filho terá meu amor e será feliz”
Parece inevitável que, para conseguir equidade de direitos e deveres entre os gêneros, tenhamos que partir para: “deixa que eu faço sozinha”. E aí, claro, a gente, mulher, se ferra. Um ponto importante para pensarmos neste mês da mulher é que equidade tem a ver com justiça. Não precisamos provar que conseguimos sozinhas – vamos pular essa parte? –, isso já o fizemos; vamos buscar um lugar de divisão de deveres também no âmbito social, cultural e porque não, no amor.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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