Final de ano, tempo que alinho os aprendizados na teia que representa para mim os Movimentos Humanos. Tenho interiorizado bastante sobre o movimento das mulheres – e dos homens, sempre andamos juntos – nesse processo contínuo que é a construção de identidade. Tenho pensado sobre a necessidade que temos em manter vivo o mito do amor romântico; como se sem ele, não fossemos completos. Sem dúvida, verdadeira ou falsa, uma crença que nos guia profundamente.
De como viemos, nós mulheres, de séculos de luta pela indendência para poder escolher nosso destino – obtida graças à possibilidade de ganho financeiro. Sem dinheiro não teríamos como partir. Não é a toa que o acesso à renda foi – e ainda é – nos negada. Mesmo assim, com esse histórico de opressão ainda vivo, em certo ápice desse processo decidimos recuar.
No entanto, uma camada da malha social de mulheres ainda luta por respeito e dignidade, uma outra camada que obtiveram a independência financeira, decide recuar. Claro que nesse tecido social que formamos, há inúmeras camadas, e entre elas temos mulheres que não recuaram, mulheres que nem pensam em iniciar a escalada para a independência e por ai vai.
Enquanto estou montando minha teia social vem a notícia que Marília Mendonça é a cantora mais ouvida do Brasil. Não a conhecia e fui ouvir suas músicas. Me lembrou imediatamente a Dalila, a Rainha da Cumbia, que tinha ouvido recentemente com sua música Basura (Lixo, em espanhol). Ambas cantam ao amor. E é claro, principalmente, as suas dores. Marília uma jovem de 22 anos, gordinha sem nenhuma tentativa visível de tentar disfarçar – encanta seu público através da identificação da mulher que não recebe o mesmo tipo de amor que oferece.
O amor sofrido é cantado há séculos. A diferença, especialmente na última década, é que as mulheres agora xingam, reclamam e largam – pelo menos ameaçam – o homem que julgam não prestar. Com isso, de certa forma, vamos mantendo a crença do amor sofrido. De ser quase uma sina inevitável, a mulher se machucar no amor e o homem não prestar.
Sei que dor de cotovelo vende música. Mesmo assim, espero que os novos tempos tragam também músicas que cantem aos homens do novo tempo. Homens companheiros que estão aprendendo a amar de forma mais equitativa. Que evitam se colocar o tempo inteiro na posição de privilégio que o seu sexo lhes dava por herança. Que dividem, contribuem; que são carinhosos e doces. Os homens que tenho visto por aí.
Sei que ainda não são muitos. Por isso, já que estamos na época de pedidos e reafirmação de esperanças, nestas festas de final de ano vou brindar e pedir para que esse amor também seja cantado; e com isso consigamos ampliar nosso panteão de crenças sobre o amor.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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