Como escrevi no texto anterior, o mundo corporativo foi formatado por valores masculinos, brancos e heterossexuais. Assim como todo sistema de poder que atua na nossa sociedade. Um sistema começa a ser questionado e entra em colapso à medida que a moral reinante vai se modificando. Foi a mudança de moral em relação ao papel das mulheres na sociedade que abriu as portas para elas se expandirem no mundo corporativo – com muita luta, devemos admitir. É claro para todos que elas vêm crescendo, nesse ambiente, tanto horizontal como verticalmente nos últimos cinco anos.
Venho acompanhando esse movimento com especial atenção. No meu papel de observadora do ser humano inserido também no universo corporativo, quero trazer à discussão neste espaço alguns questionamentos e pontos de vista embasados nas minhas pesquisas e estudos, com o desejo de contribuir com a reflexão e incômodos que toda mudança de paradigma costuma trazer.
O que faz que as mulheres no mundo corporativo nem sempre se engajem a favor da liderança feminina? Ou busquem ser uma delas? Para responder com propriedade, precisaremos analisar o sistema em que estamos inseridos socialmente e a moral regente. Irei desenvolver um pouco esse tema ao longo das próximas semanas. Escolhi para começar um ponto que considero interessante e pouco discutido: a ideia de a feminilidade, desejada pela maioria das mulheres, se contrapor à imagem da executiva de alto escalão.
Parece haver, nas mulheres que querem subir na hierarquia, um certo temor no enfrentamento e no conflito que os cargos mais elevados impõem. A origem disso pode ser um certo despreparo para uma discussão mais direta e firme, especialmente para a faixa acima de 40 anos. Porém, voto mais no desejo quase inconsciente de não carregarem para si a imagem de durona e pouco feminina associada ao cargo de executiva hierarquicamente bem-sucedida. Embora a famosa executiva masculinizada do início do século XXI quase não exista mais, seu espectro ainda está bem vivo no imaginário coletivo corporativo. Uma quase lenda que é cuidadosamente lembrada pelos opositores da equidade de gênero nas corporações.
Como sociedade, tentamos sempre corrigir os erros da geração imediatamente anterior. O modelo mulher-executiva masculinizada foi necessário e, acredito, a melhor forma que as mulheres encontraram para chegar a lugares antes fechados para elas. Graças àquelas que ousaram ocupar esse espaço social – talvez invadir seja a melhor definição – hoje as mulheres conseguem chegar de uma outra forma.
Para avançar, acredito que precisamos atualizar o conceito de feminilidade. Mais: devemos ampliar a ideia restritiva de que para se ser mulher, é necessário ser feminina. Feminina no conceito antigo e limitado: doce, cuidadosa, afetiva, suave e delicada… chegando à sutilidade. Esse conceito foi criado em contraposição à ideia de masculinidade: forte, firme, grosso, duro e seco.
Para o homem o conceito antigo de masculinidade já está com cheirinho de mofo, embora alguns segmentos insistam em mantê-lo vivo. Mesmo assim, veja que cada vez mais está indo por terra. Falta pouco para ser enterrado. Passo a passo o homem está encontrando um outro significado para a masculinidade. E nós, mulheres, por que insistimos em manter parte desse passado conosco?
Sem dúvida, ocupar altos cargos em organizações de grande porte exige agilidade de raciocínio, foco, objetividade, coragem para tomar decisões de risco, além do preparo técnico necessário. O tempo é curto. O volume de responsabilidades, grande. A praticidade, que muitas vezes se opõe a ser detalhista – característica associada às mulheres –, é um talento fundamental para quem tem que dirigir ambientes de negócios de grande porte. Aceitamos essa forma de atuar facilmente num homem. Mas esperamos, mesmo as próprias mulheres, que as executivas ajam diferente. Quando o homem é direto, é objetivo; quando a mulher o é, é grossa. Quando ele acelera os processos para resultados rápidos, é brilhante; quando é uma mulher que faz isso, é um trator.
Para avançar como sociedade para um ambiente mais inclusivo e equitativo, não basta preparar tecnicamente as profissionais para os cargos mais elevados – até porque isso está sendo feito por empresas que buscam equidade de gênero nos seus quadros. Mas devemos, como ser humano independente do gênero, sair da polarização de formas e caminhar em direção à integridade do ser humano.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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