“Mulheres com renda superior a R$ 15 mil mensais sentem-se menos felizes do que as que estão na classe C. O motivo é a falta de tempo que aflige as mais ricas, que precisam conciliar trabalho, estudos e família. Ainda segundo a mesma pesquisa, apenas 15% delas estão satisfeitas com sua atuação como companheira ou esposa e só 27% acham que desempenham satisfatoriamente o papel de mãe”. Esses dados são de uma pesquisa do Ibope, realizada entre 2010 e 2011, mas a informação continua atual. Fica sempre aquela voz martelando na minha cabeça: E agora? Como saímos desta cilada que nós mesmas nos colocamos?
Jardim Japonês do Unique Garden em Mariporã |
Escrevi o texto abaixo, não por por coincidência, na época em que tive acesso aos dados desta pesquisa. Trata-se de um relato feito para mim mesma. Sempre tive o hábito de escrever para “desabafar”. Chamo de limpar a cabeça. Diz assim:
Estou aqui deixando o tempo passar por total falta de vontade de pensar na minha lista de prioridades que se acumula a cada segunda-feira. Já virou um jogo do meu ego fazer com que as prioridades se tornem urgências e aí passo a semana matando cada novo lembrete do Outlook que pula de minuto em minuto. O objetivo do jogo é chegar às 20h de sexta com zero de lembretes, tendo como recompensa o direito de não levar o laptop para casa no fim de semana e não tê-lo que carregar de volta para o trabalho na segunda. Tudo isso com direito a uma espécie de “bônus tracking”: a mensagem do smartphone impresso na tela e que diz “não há compromisso futuro”. E assim as semanas passam. Antes do domingo acabar já existe algum compromisso pulando na tela e lembrando que a segunda-feira se aproxima e o jogo recomeça. Com o passar dos anos tornei-me uma jogadora experiente e começo a incluir lembretes de outras esferas da minha vida no Outlook. É como se a vida fosse feita de “fases” e quando uma fica fácil é preciso passar para a próxima com novos desafios a vencer. Já estou na fase em que até o retoque da tinta no cabelo e marcar a drenagem linfática (já paga há meses) deve ser marcada “sem falta” e vira um lembrete para ser adiado ou descartado. Nem quero imaginar qual será a próxima fase.
Se eu acho mesmo que tudo se resume a um jogo, cujo objetivo é “matar” os lembretes da minha vida sempre atrasada, como acreditar que sou feliz? Pois eu sou feliz. Sinto-me assim. Ás vezes um pouco mais, à vezes um pouco menos, mas na média me sinto feliz. Além de me sentir privilegiada e responsável por todas as minhas escolhas. Sou orgulhosa de tudo que já fiz. Gosto do meu passado. Acredito no meu futuro. Gosto dos valores que passei ao meu filho. Gosto das amizades que conquistei. Gosto da relação que tenho com a minha família. Gosto do meu trabalho. Gosto de morar na cidade que moro, no bairro que escolhi, na casa que tenho. Gosto do que penso. Gosto de mim. Isso, aliás, é motivo de um orgulho potencializado a mil, já que esta (gostar de mim) é uma conquista razoavelmente recente. Mas… e aí? O que acontece é que em momentos de reflexão como este algo se transforma dentro de mim e não consigo parar de pensar numa velha música do Raul Seixas. Ouro de tolo:
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês…
(…)
Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa.
(…)
Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado…
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto “e daí?”
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado…
(…)
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco…
Por que hein? Por que me pego de tempos em tempos neste estado de insatisfação? Por que por alguns minutos me dou o direito de sentir que ser outra coisa me faria mais feliz? Por que sinto – por frações de segundos – um desejo abissal de ser nada mais do que uma dona de casa com muitos filhos e esperando um marido que me sustente, proteja e me diga o que fazer? Talvez apenas faça isso para limpar a memória e seguir em frente. Ou simplesmente porque todo ser humano tem este defeito de achar que a grama do vizinho é mais verde. Sei lá. Talvez o cansaço me faça pensar que poderia ter um caminho mais fácil. Olho para trás e vejo que chove lá fora, A chuva me deixa ainda um pouco mais introspectiva. Afinal….se eu estivesse em casa de pijama, mas ainda vou ter que enfrentar o trânsito com chuva de São Paulo. E mesmo assim eu gosto de morar aqui e reafirmo que sou feliz.
Acredito que ter reafirmando tantas vezes que sou feliz tenha me livrado deste estado de dúvidas e insatisfação que me batia de tempos em tempos, mas por anos as coisas foram assim para mim. Hoje eu me sinto mais equilibrada e as respostas já são mais claras. Já consegui enxergar um pouco além e sei que meu propósito de vida é maior do que aquele mundinho que eu fazia questão de evidenciar. Isso não significa que não exista mais dias de chuva ou ouro de tolo. A diferença é que agora eu sei agradecer não só pelos momentos de completa satisfação, mas também, e principalmente, por aqueles que me deixam desconfortável, que me incomodam e que me entristecem. Ele me fazem com que eu “não fique aí parado”, como diz a música. Mas, principalmente, descobri que não existem compromissos futuros e sim, muito a ser feito aqui e agora.
2 Comments
Uau!!! Rolou uma identificação assustadora...! Isso de ficar adiando, remarcando, reagendando compromissos intermináveis é muito cansativo... Sou feliz, mas posso ser ainda mais feliz, quando tiver mais domínio do meu tempo, e poder dedicar mais tempo para fazer coisas que me acalmam e que me dão prazer...! Estou em busca disso!
Que bacana que rolou identificação! A nossa ideia é mesmo da reflexão, do diálogo, de nos completarmos. Agradecemos por vocês estar aqui, conosco. Vamos trocar pensamentos, sentimentos, desejos, sempre.
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