Há menos de um mês estive em Paris. Finalizei minhas férias nessa cidade que, meu marido e eu, amamos. Logo no primeiro dia passamos na frente da Catedral Notre Dame. Mesmo tendo ido a Paris algumas vezes, entrar na Notre Dame, orar nela e admira-la por longo tempo, são partes indispensáveis do nosso roteiro nessa cidade. Ela é mais do que um simbolo. Para nós, é uma viagem pela história da humanidade. Nesses quase oito séculos de existência, Notre Dame foi palco e testemunha de fatos históricos que mudaram o destino de boa parte do mundo. Estar dentro dela, com essa perspectiva, é entrar num filme com personagens como Henrique VI da Inglaterra e Napoleão ao seu lado.
No último dia da nossa viagem, decidimos ouvir a missa dominical com canto gregoriano lá. Foi emocionante. Enquanto, ouvia o coral da Notre Dame preencher esse majestoso espaço gótico, fiquei observando a escultura de Nossa Senhora sentada com seu filho, Jesus, morto no seu colo. Pensei na representatividade dessa escultura. A dor maternal ao ver o filho morrer e, ao mesmo tempo, a força e consolo que a fé oferece aos fiéis. Pensei em como o preconceito e intolerância podem levar à morte, como aconteceu com Jesus. Como é antigo essa necessidade de matar o que é diferente. O que ameaça o poder estabelecido. Como em nome de Deus, já se matou tanto.
Quando o padre começou o seu sermão, a atenção caiu sobre suas palavras. Ele falou sobre amor, liberdade e diferenças. Justo o que a escultura da Nossa Senhora tinha despertado em mim. No dia anterior tinha havido mais uma manifestação dos Coletes Amarelos. A violência que acompanhou a anterior manifestação tinha amedrontada e deixado em alerta boa parte da cidade. Acredito que os tempos agressivos, ofensivos e bélicos que estamos vivendo tenham motivado minha reflexão e as palavras do padre.
Ele disse que quanto mais entramos em guerra, mais perdemos a liberdade. Que o caminho da liberdade é o amor. Porque é através do amor que nos abrimos para a compreensão. As palavras dele ressoaram em mim profundamente. Entendi que a compreensão vem do entendimento de que as diferenças também fazem parte do mesmo mundo de Deus de cada um. Que esse estado de compreensão nos expande, nos liberta. Que como é verdadeiro, também o seu contrário: como o estado bélico nos encolhe, nos aprisiona.
Decidi comungar, após anos sem fazê-lo, e olhando para a representação da Nossa Senhora com Jesus no seu colo, pedi que tantas religiões que pregam o amor consigam abrir mão da guerra. Que todos aqueles que professam a fé em alguma religião, se abram para a paz e a liberdade que tanto dizem sonhar. Que compreendam que a diversidade é tão natural como a riqueza da própria natureza o é. E que ó mundo só chegou até aqui, graças a biodiversidade que tantos menosprezam e tentam limitar.
Quando vi Notre Dame em chamas, lembrei de todas essas palavras, reflexões e emoções. Senti uma profunda tristeza. Tristeza pela possível perda desse espaço sagrado que tem entre seus sacerdotes, um homem do bem que fala com o coração. Quando vi, ao dia seguinte, as primeiras imagens de Notre Dame por dentro, e vi a fotografia que mostra boa parte da área central da Catedral destruída mas com a estátua de Nossa Senhora intacta; logo entendi que sua força e beleza continuará orientando o coração dos milhões que passam por ela. Especialmente àqueles que passam por ela com um pouquinho de disponibilidade para ouvi-la.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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