Quando se chega aos cinquenta anos, costumam ter passado por nós alguns bons amores. Dependendo das nossas crenças sobre o amor, eles podem ter sido intensos, leves, complicados, dolorosos ou felizes. As crenças que constroem o nosso sentido de realidade também ditam as nossas escolhas amorosas. Por isso falo e recomendo tanto o autoconhecimento, o ponto de conseguirmos listar – isso mesmo, listar de forma objetiva – nossas crenças sobre os assuntos que regem o nosso sentido de felicidade. Trazer para a consciência é mais de meio caminho andado em direção ao bem-estar tão desejado.
Cresci num núcleo familiar e social no qual boa parte dos casamentos eram infelizes, embora poucos lutassem para que fossem diferentes. De certa forma, olhando para trás, consigo ver que as mulheres adultas com as quais convivia acreditavam que todo casamento devia ser assim. A busca pela felicidade – tal qual a consideramos hoje – não era uma opção. Embora acredito que faça parte do imaginário feminino da época, se queixar do seu companheiro, os homens costumavam ser infiéis, imaturos e detinham o poder sobre boa parte da vida de suas mulheres. Estou falando da década de 60 no meu país, o Peru; mas certamente aqui não devia ser muito diferente. Basta acompanhar o seriado brasileiro Coisa mais Linda, na Netflix, ou assistir ao filme A Vida Invisível que com uma sensibilidade sem igual conta como era a vida das mulheres na sociedade brasileira algumas (poucas) décadas atrás.
Carregadas dessa “realidade” em que crescemos, vamos em busca do nosso destino. Algumas, sem se dar conta, reproduzem quase literalmente as histórias das suas mães; outras buscam exatamente o oposto, dando continuidade, de forma invertida, à influência familiar nas suas decisões amorosas. Nas minhas pesquisas noto que muitas jovens, em busca por si mesmas, vão se envolvendo com amores turbulentos devido às crenças em relação ao amor. O amor precisa ser sofrido “toda mulher sofre, não há saída”, diz a mente delas – e deve deixar nosso ser num estado instável como se estivéssemos numa eterna montanha-russa. Grandes emoções e sentimentos com a dramaticidade necessária para uma ópera de Bellini.
Até o dia em que algumas de nós decidem que, se for para sofrer, é melhor ficar só. Nesse momento, iniciamos um outro pacto com o amor. O pacto de que ele deve nos ajudar a ser feliz. Ficamos mais rigorosas com as escolhas e abrimos mão, um pouco sem paciência, devo admitir, dos tipos de personalidade – valores, comportamentos, estilo de vida, etc. –, que são o fast pass para a montanha-russa do sofrimento. Talvez descartemos antes de conhecer melhor e percamos algumas boas oportunidades, mas gato escaldado tem medo de água fria, correto? O mais importante deixa de ser a pessoa que escolhemos, porque dela não dependerá a nossa felicidade. A condução da nossa vida para nos tornarmos felizes – dentro de um conceito real de felicidade – depende de nós.
O nosso conceito de amor romântico também evolui. As grandes paixões sofredoras tipo Romeu e Julieta, começam a parecer bobas – se suicidar não faz parte dos planos de ninguém com boa saúde mental, vamos convir. Entendemos que viver constantemente nas nuvens é perigoso; o chão se torna mais apropriado. Onde se radica, então, a emoção do grande amor? Em compartilhar a vida – que por si só já é uma montanha-russa – a dois. Em acreditar, em se sentir seguro, em confiar, em ter um porto plácido no qual possamos relaxar e ser, integralmente, nós mesmos.
Se você considera que o amor profundo é aquele que irá tirar teu fôlego e te deixar instável e ansiosa, talvez seja hora de rever teus conceitos sobre o amor. O mundo anda assim: instável e difícil de lidar. A vida tem se complicado devido às nossas escolhas como sociedade. Perdemos, infelizmente, a nossa conexão com algo maior, o Sagrado – independentemente da sua crença religiosa –, e colocamos no dinheiro a nossa fé maior sobre nosso futuro e nosso bem-estar. Para que buscar mais instabilidade no nosso microcosmo? Se o amor é aquele que te faz voar, o faz não para te soltar no ar e você despencar, mas para te dar o chão necessário para você alçar voos cada vez maiores. Vamos pensar o que realmente queremos das nossas escolhas amorosas?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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