Impossível não ficar mexido com as fortes imagens divulgadas pela polícia sobre o caso da advogada Tatiane Spitzner da cidade de Guarapuava no Paraná. As cenas mostram o marido, o professor Luís Felipe Mainvailer agredindo-a durante todo o trajeto que as câmeras de segurança do prédio onde viviam, tiveram acesso. Como sabemos, ela morreu, após queda do quarto andar. Não sabemos ainda se, como tudo indica, o marido causou a morte da Tatiane. O que está claro é a frieza com que ele a agrediu. Só observar o rosto dele dentro do elevador. Chocante. Triste. Revoltante.
Para quem não sabe, a taxa de feminicídio – mortes violentas de mulheres por questões de gênero, ou seja, por ser mulher – no Brasil é a 5ª maior do mundo segundo a Organização Mundial da Saúde (dados de 2016). No primeiro trimestre de 2018 foi divulgado o crescimento de 6,5% no caso de homicídios dolosos – quando houve intenção de matar – contra mulheres em relação a 2017. Nem todos esses casos são feminicídios, mas é assustador saber que todos os dias, segundo esses índices, 12 mulheres são mortas neste país de forma violenta. Nos casos de feminicídio, a ONU informa que 33,2% os assassinos são parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
O que leva a esse aumento de violência contra a mulher? Sem dúvida essa é uma questão complexa, como todas as questões de gênero. Isso dificulta uma resposta simples e objetiva. Vou me ater aqui à identidade masculina – aquilo que consideramos ser um homem na sociedade -, e o conceito de Poder Antigo que luta para não morrer.
Há homens na nossa cultura que consideram que para ser homem de verdade, precisam estar posicionados num lugar de destaque social. Assim, eles buscam e exigem um tratamento diferenciado. Esse lugar de destaque envolve se sentirem superiores, com direitos acima dos outros, especialmente das mulheres. É o que chamo de Síndrome de Majestade. Sejam estes homens doces, sensíveis ou agressivos, para eles exercer o papel de homem, é se colocar num lugar de privilégios. Como toda posição de privilégios, isso envolve, subjugar. O Poder sobre, como chamei na definição do Poder Isonômico, um dos sete Movimentos Humanos, base deste blog.
Nas últimas décadas entramos no Movimento Humano A Desestruturação, no qual os pilares que regiam as nossas verdades foram desmoronando. Nesse processo o poder e o conceito que temos dele foi quase virado de cabeça para baixo. Caminhamos do Poder Sobre (embasado na Diferenciação e Hierarquia) para o Poder Para (embasado na Liberdade). A desestruturação do Poder, evidentemente, atingiu em cheio a identidade masculina. Por ser, por séculos, o representante do poder.
Durante um bom tempo todos fomos usufruindo dos benefícios de uma relação mais equilibrada entre os gêneros masculinos e femininos. Até o momento que essa igualdade de direitos diminuiu o lugar de destaque e privilégios do homem. É importante ressaltar que estou me referindo neste texto só à identidade masculina pelo tema, porém, esse raciocínio pode ser estendido para qualquer representante do Poder Antigo, o Poder Sobre.
Quando a perda de poder ficou clara e evidente, a reação começou a vir a galope. Até aquele momento não importava dividir a conta ou até tê-la totalmente paga por uma mulher. Não importava cuidar das crianças e ir ao supermercado. Sempre e quando o lugar de privilégio se mantivesse. Quando esse lugar, foi de fato diminuindo, a equidade recomeçou a ser discutida. Justificada muitas vezes pela desordem moral – comum em tempos de grandes mudanças – temos hoje movimentos claro que buscam reafirmar a supremacia de um dos lados. Diminuir a equidade. O equilíbrio. A igualdade.
O que o aumento da violência contra a mulher tem a ver com isso? Em minha opinião, é uma das reações previsíveis quando se volta a valorizar a desigualdade. Seja ela qual for. Pessoas que valorizam o Poder Antigo, o Poder Sobre, que apoiam a desigualdade como forma de organizar a sociedade, seja qual for o motivo; vão lutar para manter abaixo de si aqueles que lhe dão a noção de seu poder. Os menos elaborados emocional, intelectual e espiritualmente, farão uso da violência.
A raiva pela perda de autoridade, do lugar do privilégio, pode se manifestar mais claramente, sem tantos pudores, num ambiente que nega a isonomia – igualdade de direitos – para todos. Quem gosta de privilégios, costuma não gostar de isonomia.
Acredito ser fundamental que entendamos o sistema que é a sociedade. Que compreendamos que as coisas estão todas interligadas. Que a luta por direitos iguais entre todos os gêneros também pode evitar mortes como os feminicídios. Que o Poder Sobre, embasado na hierarquia e diferenciação, num de seus mais radicais extremos está diretamente vinculado com a violência. Violência contra aqueles que ousam, direta ou indiretamente, ameaçar o lugar de privilégio, que é a casa do Poder Sobre.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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