Adoro equinócios. Tanto o da primavera que rege nosso ciclo atual, como o do outono. Gosto do equilíbrio de forças que essas estações representam e o prenúncio de tempos fortes chegando. É a calmaria que costuma antecipar a tormenta. É o tempo de respirar fundo, equilibrar para reiniciar.
Entanto venho refletindo e me preparando para viver plenamente a primavera, penso na vida cheia de tarefas e compromissos que a gente foi construindo ao nosso redor. Justificada pela responsabilidade e pela ideia que fomos construindo do que é necessário para viver. E nestes tempos de forte Movimento Humano A Tal Felicidade, do que é necessário para ser feliz. Cada vez mais, responsavelmente ou não, fomos tornando nossas listas de necessidades ‘vitais’ para viver felizes, mais e mais longa. Invariavelmente, quanto mais longa, mais aprisionados ficamos.
Quando vivemos nesse ritmo louco, tudo tem que compensar. Já que a felicidade é nosso foco. Trabalhamos desenfreadamente, portanto, as férias precisam ser intensas também – sejam nas experiências, sejam nos gastos, sejam na forma – para justificar tanto sacrifício. Afinal, nós merecemos, não é mesmo? E se ainda formos aqueles que alimentam a autoestima pelo número de likes nas redes sociais, a intensidade só aumenta. Na volta, precisamos correr atrás do prejuízo e a roda gira cada vez mais rápida e forte, virando quase uma centrífuga. Como me disse uma querida amiga muitos anos atrás, temos que lembrar que da centrífuga, só sobra o bagaço.
Esse ritmo quase frenético que levamos nos afasta da percepção necessária para nos ater ao tempo do Tempo. Ao tempo que nos rege mesmo que não olharmos para ele. Pelo simples fato que ele é soberano. Queiramos ou não, estamos entrando na primavera no hemisfério sul. No outono, no hemisfério norte. Queiramos ou não iremos ficar mais velhos a cada dia. Como disse a pensadora Camille Paglia, podemos intervir quanto quisermos na nossa estética e corpo, mas cada célula de nosso corpo terá a idade que temos. Estar atenta às estações do ano, me ensinou a estar atenta a mim. A não entrar no automático e me perder na freeway da vida pública que me leva tão longe que até posso esquecer o motivo do início da minha viagem.
Observar a natureza. Levantar a vista da tela do celular e olhar para fora do carro enquanto estamos no trânsito. Olhar para o céu. São atos simples que duram segundos e podem nos ajudar a entrar em sintonia com o tempo que nos rege. Entrar em sintonia com o nosso tempo interno. Quando estamos em sintonia com nosso tempo interno, é bem provável que estejamos em sintonia com o que nossa alma quer. Como primavera é o tempo de semear, de fecundar, estarmos sintonizados com a nossa alma pode nos ajudar a saber exatamente o quê semear. Quem sabe não é algo distinto do que nossa mente acelerada quer? Bom tempo primaveral para todos nós.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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