Esta foto foi tirada em São Paulo dias depois em que a favela atrás do muro pegou fogo. O artista não assinou a obra. |
Durante anos tive um sonho recorrente: estava sempre atrasada para ir à escola, me enrolava, acabava não indo e a ansiedade tomava conta de mim pois, do jeito que estava faltando, não ia conseguir passar de ano. Parece um sonho tolo, mas sempre acordava suando frio e com a sensação de ter sido um pesadelo horrível. O que mais me intrigava é que eu já tinha saído da escola naquela época. Mais do que isso: já tinha até pós-graduação! Tinha uma carreira legal, inclusive. Não fazia o menor sentido.
Um dia porém, sonhei que estava no auditório da escola e estava acontecendo a formatura do ensino médio. Eu fiquei aflita porque sabia que não estava entre os formados. Mas um milagre aconteceu e meu nome estava lá! Fiquei tão empolgada no sonho que até beijei a boca do meu amor platônico da época do colégio. Fazia menos sentido este sonho do que o outro. Corri contar para minha terapeuta que ouviu a narrativa e por fim, exclamou: “nossa, a farsa se formou!”. Cai na risada.
Explico: na época tinha certeza de que era uma farsa. As pessoas confiavam em mim, acreditavam no meu trabalho, meus clientes estavam satisfeitos, minha família me achava o máximo por eu ter me mudado com um filho pequeno para São Paulo e ter tudo fluído bem e, mesmo assim, eu não acreditava que eu era capaz. Estava convencida que eu “enganava” as pessoas com meu jeitinho. Uma loucura, eu sei.
Em grande parte este falta de autoconfiança foi formada lá na minha infância e tem muito a ver com uma verdadeira obsessão da minha mãe por modéstia. Ela sempre me dizia que não podíamos nos engrandecer de nada. Sei que a intenção dela não era tirar a minha confiança, mas eu confundi o não me envaidecer em excesso, com não ser capaz de ser competente. Acredito que minha personalidade foi a conexão entre uma coisa e outra.
O sonho me fez entender isso, mas obviamente não me fez limpar algo que estava em mim desde muito pequena. O treinamento de me sentir confiante é continuo, diário e, principalmente, consciente. Lembrei disso porque tenho uma amiga maravilhosa que está passando por uma grave crise de confiança. Ela é linda, inteligente, séria, competente. Todas as pessoas que conheço a consideram especial. Mas ela não enxerga nada disso. Está no escuro absoluto, a cegueira da inconsciência. Tem dias que fica tão difícil que ela não consegue nem sair de casa. Muita gente tem tentado ajudar, inclusive profissionais. Tenho fé que ela vai vencer esta fase, mas é preciso, antes de qualquer ajuda, que ela mesma queira se restabelecer. Ela precisa entrar em contato com ela mesma.
Percebo que isso está cada vez mais comum. Outro dia, uma garota muito jovem que trabalhou aqui na agência veio se despedir de mim. Perguntei para onde ela estava indo e com os olhos marejados ela só conseguiu responder que precisava parar de trabalhar por um tempo porque estava tudo muito difícil. Ela não conseguiu falar muito mais do que isso, mas percebi que, mais uma vez, tratava-se de um caso típico de alguém que não acredita em si. Tão novinha e tão fragilizada.
Mas eu creio que ambas vão encontrar, dentro delas, o poder da transformação. São pessoas bem intencionadas e não tem como dar errado. Só precisamos querer nos fortalecer. Na verdade precisamos também aprender a equilibrar a importância que damos para as coisas e, principalmente, para o que as pessoas acham de nós. Afinal, como já disse Noel Rosa: “quem acha vive se perdendo”.
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