Dizem que quem mora no litoral é encantado pelos cantos das sereias do mar. Essa pode ser uma das explicações para o torpor deste país com milhares de quilômetros de costa banhada pelo mar. Essa deve ser uma das explicações para uma das cidades símbolo deste país, que como tal, melhor representa o torpor que nos assola. O Rio de Janeiro é uma cidade que sai da euforia para a depressão com facilidade surpreendente. Difícil encontrar o Rio sereno, equânime, lúcido. Nessa gangorra emocional as melhores e as piores coisas costumam acontecer por lá.
Não bastasse a quase guerra civil em que o Rio se encontra, o Brasil que valoriza a cultura e a história foi dormir desconsolado carregando consigo as imagens do Museu Nacional sendo consumido em chamas. Negligência pura. Negligência do Governo Federal. Negligência da cidade do Rio de Janeiro que tinha, como cidade símbolo, a obrigação de lutar por preservar os seus legados que a tornam tão especial.
O fim do prédio histórico e seu valioso acervo pode ter acontecido por causa de um balão (que alívio, não é Ministro?). Ou pelo despreparo dos bombeiros (Oi? Não entendi Sr. Reitor da UFRJ). Pode ter sido um curto circuito. Pode ter sido um monte de acasos que se tornam fatalidades pelo descaso que o torpor costuma trazer. Torpor que deixa as coisas chegarem a um nível quase irremediável. Tenho a impressão que o ponto de retorno para o Rio lindo, limpo e saudável que não conheci mas que meu marido não cansa em me relatar, ficou muitos quilômetros atrás.
Lembro o período de obras para a Copa. A reforma do Maracanã. As obras nas ruas e avenidas. O Rio estava em ebulição. Várias notas acima do tom. As constantes denúncias de superfaturamento pareciam importar pouco. Viravam papo nas suas maravilhosas areias ou nos seus botecos com cadeiras nas calçadas. Papos que viravam piadas e uma que outra vez, indignação. A euforia do dinheiro sendo gasto pelo Governo atraindo turistas e negócios para cidade era tão inebriante que todo mundo parecia, mesmo criticando, pouco dispostos a levar a sério essa análise. Lembro que poucos pareciam se importar com a origem do dinheiro. Poucos pareciam preocupados com o excesso de gastos. Com saber se as contas iriam fechar ou não, e quem iria pagar a conta final. Poucos se importavam se parte desse dinheiro não devia estar sendo destinado aos diversos patrimônios públicos que contam a história da cidade e do país inteiro. Todos estavam em estado de torpor graças a sua própria ilusão. Quantos mais gastos, mais pareciam felizes.
Quando é época de bonança parece que perguntar sobre a origem do dinheiro e o cuidado com as contas soa como um estraga prazer, um quase insulto. Alertar para os exageros parece augurar a vida do outro. Claro que isso não é privilégio só dos cariocas, embora seja na cidade do culto ao prazer que isso se torna mais evidente. Após o período de excessos inevitável que a tragédia aconteça. E ela tem vindo a galope, feito uma razia bárbara açoitando a cidade inteira. Agora a Cidade Maravilhosa chora a destruição de mais um de seus símbolos históricos. Com ela choramos todos nós.
Pelo menos que valha a pena. Que tanta história, tanta dedicação concentrada nas paredes do Museu Nacional. Tanta inteligência e sabedoria promovidas nos seus espaços, agora queimados, possam libertar esse Rio maravilhoso do canto das sereias.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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