O final de ano se aproximando e inevitavelmente pensamos no próximo ano, no próximo ciclo, no que queremos abrir mão e, o que é mais difícil, o que queremos para nossas vidas. A semana que passou foi intensa de emoções, trabalho e, principalmente de reflexões. Comecei com diversos eventos, alguns deles promovidos pela Escola Schumacher do Brasil que trouxe a professora e fellow da Schumacher College da Inglaterra, Patricia Shaw, para um talk e um workshop um dia inteiro.
Os temas, como sempre, profundos e intensos nos tiram da área de conforto que o conhecimento mais superficial costuma nos colocar. Questionam nossas verdades, nos confrontam com nossos pensamentos e comportamentos. Foram tantos os aprendizados, as reflexões, inclusive várias delas não concluídas, que levei algum tempo para escolher o que compartilhar nesta semana. Minha escolha recai num tema que estou abordando algum tempo neste blog por sentir que cada vez ressoa em mais e mais pessoas: o desejo de fazer uma transição não só de carreira, mas quem sabe, de vida (se deseja saber mais leia o post Transição de carreira ou transição de vida?).
Patricia nos falou sobre estar totalmente íntegros e presentes num diálogo e como isso muda profundamente a qualidade do resultado. Mesmo para quem pratica o diálogo de forma genuína – e não só os monólogos – como é difícil dialogar sem pensar no que iremos falar logo em seguida. Aliás, como é difícil ouvir! a solidão e aceleração mental tem gerado pessoas que falam sem parar, sem ouvir nem as respostas as próprias perguntas. Como é difícil abrir mão de conceitos intelectualizados e praticar a abertura para construir algo novo a partir da espontaneidade de se expressar conforme o que estamos sentindo. Genuinamente. Corajosamente. Como tirar as máscaras é a forma mais poderosa e amorosa de se comunicar.
Quando a questionei sobre a capacidade que teríamos de suportar tanta emoção e sentimentos aflorando já que as máscaras nos isolam de nosso Sentir e nossa sensibilidade, ela me respondeu que sentir arrepios, se emocionar, sentir a voz falhar, nada mais é do que estar vivo. Desde então tenho pensando como temos andado tão mortos… Especialmente no espaço público, dentro dos nossos trabalhos, dentro de nossas famílias. Até nas relações mais íntimas. Como incorporamos papéis nas redes sociais, querendo construir uma imagem a partir da mente, com ou sem intenção. Como perdemos a prática de ser nós mesmos; aliás, acredito que muitos de nós nem sabemos mais quem somos, seguimos a vida cheios de planos plantados pelo ambiente social, com sonhos criados pelos outros, modelos estereotipados de felicidade, sem nem sequer nos perguntar se isso nos fará feliz. Não é de se surpreender que a cada mês aumente o número de pessoas com depressão ou evitando-a tomando remédios oferecidos por médicos que consideram mais prático dopar do que curar.
Meu tempo com Patricia e as reflexões que ela provoca se estendeu pelo final de semana durante o último encontro do Certificado de Ciências Holísticas e Economia para Transição que iniciei este ano. Estar com ela e com toda minha turma do Schumacher College Brasil só aprofundou em mim a reflexão de quanto é poderosa a expressão da nossa sensibilidade e da nossa fragilidade humana. Quanto ser autêntica com amorosidade empodera mais do que qualquer rosto lindo, com ou sem botox, mais do que qualquer estilo de roupa cara, barata, cool. Mais, muito mais do que qualquer conhecimento adquirido. Desnudar-se para se apresentar ao mundo nos torna plenos, inteiros e por isso empoderados; a superfície lisa da nossa nudez não permite nenhum anzol que o julgamento social costuma lançar sobre nós. Até porque a urgência da expressão da nossa voz, não foi motivada para receber feedbacks ou compor mais um pedaço do nosso personagem mas expressar a vida que há em nós e que a medida que se entrelaça com o outro no espaço público, cria mais e mais vida ao redor.
Refleti como cada vez mais pessoas procuram propósito para suas vidas, uma missão a seguir; como se isso fosse lhes preencher o vazio de não estarem vivas, despiertas*. Hoje penso que nem o propósito bem delineado trará a plenitude para o coração, se ele provem do mental que deseja seguir modelos e tendências. Qual não é nosso maior propósito do que estarmos vivos? Como não honrar a vida, se não estando realmente vivos? A vida não é um caminho a ser seguido, que o preenchemos com momentos felizes e fatos que nos orgulhem. A vida não está desassociada de nós. Nós somos a nossa vida. Então, porque fugimos de viver integralmente, plenamente ao evitar expressar nossa autenticidade e verdade?
Pensei em todas as pessoas que conversam comigo sobre transição de carreira e vida e penso como seguir o nosso propósito é simplesmente seguir quem somos. E como isso acontece naturalmente quando usamos nossa voz para expressar o que há de real em nós. Como entramos no flow da vida, sempre abundante, quando nossa voz segue o seu propósito original, que é expressar o nosso Sentir.
Muitos irão me dizer que precisa da forma – um plano? um objetivo a ser alcançado? – para o propósito poder se manifestar melhor, ter sentido. Concordo. Mas antes desse propósito se integrar com o mundo, precisamos ter certeza e consciência que ele é nós. Porque a maior e mais rica entrega para a humanidade, é a nossa própria existência manifestada.
*Despierta. Gosto dessa palavra em espanhol, para mim traz uma força que o acordada do português não consegue invocar.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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