Desde 2011 tenho estudado os homens com mais afinco. Meu interesse cresceu após terminar um longo estudo com as mulheres sobre suas crenças em relação ao feminino e compreender que a construção cultural do que é ser homem e do que é ser mulher – independentemente de sua orientação sexual – é uma dança que envolve no mínimo essas duas identidades.
Do meu estudo com os homens nasceu o Movimento Humano O Homem Sensível, que aponta a busca, nada fácil, que o homem vem fazendo para transferir sua força e consistência para outras formas de ser, deixando para trás a associação de força com a imagem do homem distante, frio, de poucas palavras e com dificuldade de expressar suas emoções. Nesse movimento do Homem Sensível vi que um dos caminhos que nosso homem brasileiro estava encontrando para se conectar com suas emoções era a paternidade.
Através da paternidade, o homem expressava todo o amor represado e se permitia ser lúdico e sensível sem que sua hombridade fosse colocada em jogo. Talvez por isso tenha escolhido esse caminho: a relação com a mulher, no caso do casal heterossexual, de certa forma, representa a fronteira que delimita seu conceito de masculinidade, que envolve outros atributos – como virilidade, por exemplo. No território da paternidade havia, principalmente, o amor e a troca afetiva.
Desde então observo que, sim, cada vez mais os homens vêm exercitando seu papel de pai afetivo, mesmo que, em muitos casos, a responsabilidade que envolve todo o conceito de paternidade não tenha caminhado junto. Continua com a companheira a maior responsabilidade de cuidar do filho, de acompanhar seu desenvolvimento educacional, físico e mental – como ficou evidente, em tempos de pandemia, pela disparidade das responsabilidades entre homens e mulheres em relação aos filhos dentro do lar.
Fora a responsabilidade sobre o filho, além de amar e brincar – e talvez tenhamos que nos perguntar qual é o significado que estamos dando ao amor –, ainda existe um número assustador de pais que simplesmente não pagam a pensão para seus filhos ou que somem quando a mulher engravida. Pensando no sistema social em que todos estamos inseridos, a mesma sociedade que está criticando a campanha publicitária da Natura para o dia dos pais – na qual aparece Thammy Miranda, um homem transexual exercendo seu papel de pai – chega a ser permissiva com a falta de responsabilidade dos pais sobre seus filhos.
Nosso sistema social está em plena e contundente transição de valores. Chegamos num ponto de inflexão em que as questões mais sensíveis que tocam diretamente em tabus e moralidade estão expostas e abertas; fato que nos faz sentir como se estivéssemos atravessando tempos caóticos. Entendo que, num contexto assim, fica difícil separar o joio do trigo, por isso convido a uma reflexão individual profunda sobre o que entendemos por paternidade.
Para mim, o sentido de ser pai (e mãe) passa pela responsabilidade de criar um ser humano. O amor, nesse ponto, está intrinsecamente conectado com o dever, com o cuidar, com o zelar. Existe, é claro, todo o lado lúdico, emocional, de projeção de nossa imagem na imagem do filho, da busca pela não solidão, pela ideia de família e por aí vai. Mesmo assim, em primeiro lugar, paternidade e maternidade são sinônimos de responsabilidade.
Seguindo esse raciocínio, qual a importância do gênero do pai, ou de quem faz o papel de pai? Eu estaria mais preocupada com o homem que bebe além da conta, que molesta sexualmente uma criança, que derrama ódio contra todos, que explora o outro, que rouba, que é corrupto, insensível, egoísta…
Precisamos desenvolver seres humanos com caráter e isso se faz com valores e com responsabilidade. O mundo está mostrando claramente que os valores alicerçados no poder e domínio – dos quais o machismo, o racismo e a desigualdade social são alguns produtos – só nos levaram até o quase buraco em que nos encontramos. Precisamos mudar se quisermos de fato um mundo mais humano, mais sensível, mais saudável; e essa mudança também passa pelo entendimento do que é realmente relevante na nossa sociedade: valores ou formas?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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