“Sou feliz com a liberdade dentro da minha gaiola”. Lembro sempre dessa frase que ouvi de um participante do Projeto Homens em 2011. Ter esse nível de consciência, estou cada vez mais convencida, é para poucos. Pelo que percebo, a maioria de nós, sonha com um estado de liberdade que, na prática, temos pouco ou nenhuma coragem de encarar. Mesmo assim, o sonho da liberdade plena nos faz viver com toques de frustração e uma eterna insatisfação impossível de saciar.
Por que temos dificuldade em encarar de frente o desejo da liberdade plena? Porque ela significa romper com as relações. Somos seres sociais e como tais existimos também pelas relações que construímos. Podemos querer isolamento e individualidade, porém, poucos queremos viver como ermitãos. O isolamento e a individualidade que sonhamos busca manifestar nossa personalidade com (certa) autonomia. Ambos permitem que mantenhamos distância da pressão social que quer padronizar tudo e todos.
Por outro lado, a manifestação da nossa personalidade se faz dentro de padrões sociais estabelecidos porque, no fundo, queremos manter relações com o outro. Talvez essa seja a armadilha da tão sonhada liberdade: sonhar com algo que não queremos assumir de fato, pelas consequências que nos trará. A liberdade, como tudo, tem seu preço e o quanto aceitamos pagar por ela, ditará o quanto a viveremos. Mais liberdade, mais isolamento, menos relações.
Talvez se compreendermos essa relação liberdade X consequências, consigamos ter mais tranquilidade com a liberdade que assumimos nas nossas vidas. E quando o desejo dela se expandir bater na nossa alma de tempos em tempos, consigamos respirar fundo, reorganizar nossos desejos e anseios, ampliar aquilo que é possível, ceder naquilo que não é, para continuar equilibrando o sonho com a realidade sem pesar.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
2 Comments
Aqui pensando sobre seu post... Liberdade é algo que permeia a minha vida desde os mais tenros anos e reflito se um dia ela exisitu em mim, comigo. Fato é que é o valor que mais primo e que sei que ainda estou longe de tê-la plena. Tê-la plena, em minha visão, está perto da liberdade que Mandela disse ter na prisão: a liberdade interna, independente do contexto e da condição. Penso ter a liberdade como a utopia maior da vida e ir lapidando, ao longo de minha existência, a coerência que me levará a esta liberdade interna, resiliente o suficiente para existir apesar de qualquer circunstância.
Creio que há almas livres por natureza querida Nely. Outras nem tanto. Essas almas livres serão como Mandela e você, livres independente do contexto e a condição. Também acredito que a gente aprende a tornar a alma cada vez mais livre, como Mandela bem ensina. A liberdade do Ser, acredito implica no outro. Tenho refletido e pensado bastante sobre isso. Creio que o Ser tem a ver com ação aqui na Terra, diferente da alma (pelo menos sigo essa linha de pensamento). Sendo o Ser uma manifestação, ação; interfere no meio, no outro. Equilibrar essa alma livre com esse Ser é nossa tarefa mais árdua. A alma chama pela liberdade e o Ser cuida com as relações.
Sinto que as pessoas quando compreendem o que escolha sempre implica em abrir mão de algo, a vida fica mais fácil e menos dramática. Entender que liberdade da alma pode existir sem abrir mão do Ser relacional pode ajudar a não se frustrar tanto. Para isso precisamos compreender, como você mesmo disse, que a liberdade da alma existe independente do Ser.
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