Tenho pensado sobre as grandes mudanças que vivemos de tempos em tempos. Sei que estamos em constante evolução, e que nestes tempos de transição de valores e crenças, as transformações parecem mais acentuadas. Porém, acredito que há fases nas nossas vidas que tudo parece levar para um clímax que desencadeia uma mudança estrutural. A partir desse ponto, poucas coisas serão como antes.
Eu e meu marido, estamos passando por uma dessas fases. Como sempre, tal qual um tecido, são vários aspectos que se entrelaçam para gerar o clímax; entretanto, o que fez enxergar esse período de mudança estrutural foi a partida do nosso pequeno – que obviamente não é mais pequeno – para começar sua vida em outro país. Felizes pela oportunidade que buscou na sua vida e orgulhosos pela decisão e a forma como conseguiu ir, nada impede que exista a falta.
Ao sentimento de falta nem chamo de vazio, já que o vazio para mim tem um quê de possibilidade de preenchimento; a falta que menciono aqui vou chamar pelo simples e nada poético nome de buraco.
Sei que a palavra buraco não é tão agradável para ser ouvida, falada ou mesmo escrita. Mesmo assim creio que expressa bem o sentido daqueles espaços que ficam abertos e nunca mais serão preenchidos nas nossas vidas. Podemos nos ocupar com outras atividades, podemos encontrar alegrias mil em outros campos, e mesmo assim aquele espaço vazio estará lá como uma velha cicatriz que pode não doer mais e mesmo assim nos lembra que algo estava lá e não vai mais voltar.
Considero buracos as perdas irreversíveis. Pode ser de algo vivido. Um tempo que se foi. A perda de um ente querido, um amigo, o nosso grande amor, um animal de estimação. Pode ser também aqueles deixados por uma amizade que se desfez. Pode ser, como nosso caso, do filho que parte. Se pensarmos bem, nossa vida é cheia deles. Aliás, de certa forma, ser adulto pode envolver assumir os buracos que fazem parte da nossa vida. De aceitá-los como sinais dos tempos vividos.
Na nossa busca pela ilusória vida perfeita costumamos ter a romântica ideia que nossos buracos desaparecerão e tudo ficará liso e bonito, como se nunca aquela superfície tivesse se afundado. Ledo engano. Nada substitui plenamente aquilo que se foi. Como vivemos então? Ao lembrar, com uma certa tristeza. Faz parte de estar vivos.
Compreender que os espaços vazios ficarão conosco e fazem parte da vida, pode ajudar a evitar a ansiosa busca por substituições, que como toda réplica, nunca será original. Quando fazemos isso, tenho a impressão que a sensação da perda aumenta. Ela fica mais evidente. Nada impede que no caminhar encontremos outras fontes de alegrias e interesses. A vida é vasta e próspera. No nosso caso, óbvio que continuaremos nos relacionando com o pequeno, a tecnologia ajuda muito, mas a falta da presença fisica, ah! essa fica.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
4 Comments
Nany, adorei esse texto. Para mim é um pouco da síndrome do ninho vazio, cada vez mais serão você e o Nélio, e os meninos voltarão para o ninho sempre que precisarem de aconchego, de amor, do porto seguro. Passei por esses sentimentos há alguns anos, e sei que em breve viverei novamente e quando chegar a hora sentirei os meus buracos novamente. O legal é ler o seu texto e saber que esses ciclos são da vida e cada um de nós viverá do seu jeito, pela história única que cada movimento envolve. Beijo grande e saudades
Sim querida Sandra, faz parte da vida e leva um tempo para aprendermos a viver, bem, com esses vazios. Beijo grande
Adorei. “Ser adulto é assumir os buracos que fazem parte da nossa vida”. Um “viva” para os buracos e a nossa capacidade de reconhecê-los, respeitá-los e até acalenta-los. Como pedaços de nos que não se preencherão jamais. Mas que fazem parte do nosso ser. E, por isso, muito queridos.
É isso querida Sonia, um viva para nossos buracos. Afinal eles também falam quem somos nós!
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