Quando estive em San Francisco em 2017 tive a sorte de ver uma das melhores exposições – pelo conteúdo, experiência proporcionada e storytelling – que vi nos últimos anos. Summer of Love Experience: Art, Fashion and Rock and Roll me tocou profundamente e fez rever minha visão sobre os chamados hippies da década de 60.
Exposta no de Young Museum cobre o encontro de mais de cem mil jovens que se juntaram entre o Golden Gate Park e o famoso distrito Haight-Ashbury em 1967. Vindos de diversas partes dos Estados Unidos, celebraram por vários dias a criatividade na arte e na vida em busca de paz. A influência desse encontro se faz sentir até agora não só na esfera artística, como na política.
Após três décadas da Grande Depressão que assolou os Estados Unidos e Guerra do Vietnã em curso, esses jovens pregavam Paz & Amor. Simples assim. Oferecendo cores – as roupas são maravilhosas – música, arte gráfica, gentileza, distribuição de alimentos, fazendo trocas de objetos, contrapunham uma sociedade que já caminhava para o consumismo como fonte de status quo.
Acredito que os valores que representavam deviam gerar arrepios à conservadora sociedade americana e mundial. Especialmente pela novidade na forma como esses valores eram representados no seu estilo de vida. Lembro que minha mãe mencionava a palavra hippie com a expressão de ser algo muito, muito ruim. Para me apavorar ela falava das drogas e do sexo livre. Que era gente perdida, fora da sociedade normal: ou seja, eles eram errados. Porque numa sociedade conservadora o que costuma reger é o que ela considera certo e o que considera errado. Não é o que está dentro da lei ou fora da lei. Até porque sociedades conservadoras costumam se colocar acima da lei.
Claro que hoje mais madura, compreendo o temor da minha mãe. Mesmo assim, ao trazer essas lembranças à memória penso quantas pessoas “perdidas”, para usar a expressão da minha mãe, nas suas vidas “normais” eu conheço. Pessoas normais que não vivem sem seus remédios – drogas? – para dormir, para acordar, para poder trabalhar, para poder sorrir e se comunicar, para transar, e por aí vai.
Gosto de reler o livro da exposição. Ele me lembra que o realmente novo, choca pelas suas formas. Sempre é visto como ruim, perigoso para a sociedade. Ele é excluído e repudiado a partir de uma pretensa normalidade que dá forma a moral regente. Ao mesmo tempo, o livro também me lembra, que mesmo com todos os atos de repressão, o ar novo e fresco que um movimento como dos hippies traz, areja a sociedade e acorda nela a antiga lembrança que há vida além do muro da normalidade.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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