Homens corajosos. Simples assim. Dizem que os opostos se atraem. Pois eu digo que, sim, eles podem se atrair; só que, nos tempos atuais, dificilmente conseguirão viver juntos. Alguns poderão dizer: “meus pais são tão diferentes e vivem felizes até hoje” ou “meu próprio casamento é maravilhoso e somos muito diferentes”. Sem dúvida, somos todos herdeiros da separação por gênero. Fomos criados para acreditar que uma mulher seria mulher quanto mais distante fosse seu comportamento e atitude em relação ao dos homens, e vice-versa. Pessoas com essa visão de mundo construíram uma realidade que lhes permite se ajustar com a diferença oposta. Consideram que seu papel é justamente equilibrar – com cada um no extremo oposto dessa balança chamada relacionamento.
Só que, para a maioria, os tempos mudaram. Nós não queremos mais reduzir nossa personalidade a papéis limitados que restringem nossa forma de ser. Somos, e queremos ser, seres mais complexos do que isso. Não somos tão fiéis a um único modelo e tampouco totalmente coerentes. Somos seres multifacetados.
Somemos a essa mudança contextual o fato de que a ideia de relação amorosa mudou. No amor, nós não queremos mais só um acordo de convivência. Ou uma complementaridade. O que queremos é um companheiro, alguém que compartilhe conosco a vida em todos os planos. Paramos de dividir – o universo masculino de um lado, e o feminino de outro – para somar, unir e extrapolar.
Para a relação ser de companheirismo é preciso haver um importante eixo de equivalência ou similaridade entre o casal. Esse eixo é formado por valores. É fundamental entender que esse eixo tem braços que se estendem para diversas direções, que representam a diversidade do microcosmo que é um casal. Essa diversidade permite ampliar a realidade. Permite que um aprenda e descubra coisas novas graças ao outro. Para isso acontecer, um não pode ser totalmente igual ao outro. Se forem, perdem a oportunidade de expansão.
Na lógica do amor-companheiro, entre as mulheres corajosas que entrevisto, a coragem é um valor relevante e costuma estar no seu eixo de união, e não de separação. Coragem é o que esperam do seu homem, embora, infelizmente, têm encontrado pouco este valor entre os homens. Quando os entrevisto consigo entender esse desabafo feminino. Noto uma certa acomodação e apatia masculina que têm incomodado – para não dizer irritado – as mulheres corajosas.
Acomodação e apatia que fazem com que os homens evitem enfrentar a mudança de valores sociais de peito aberto. Encarar o novo com abertura. Que os impedem de caminhar com disposição, só porque o caminho não está tão claro. A lógica de que as mulheres tinham menos a perder, se considerarmos o seu valor social, tornou-as mais corajosas; enquanto o homem, que mais tinha a perder, ficou na defensiva do seu status quo. Faz sentido, eu sei.
Porém, é necessário que o homem desenvolva em si a vontade de voltar a ter coragem. Coragem para andar, e não para retroceder querendo que o antigo mundo volte. Como disse no meu texto anterior, esqueçam. Não iremos voltar para trás. Podemos demorar a avançar e até fazer curvas, mas a mudança de valores já chegou a um ponto em que não há mais volta. A menos que esta seja imposta socialmente.
Vou deixar claro que não me refiro à coragem para fora – de quem pratica esportes radicais ou de quem conduz um grande negócio, por exemplo. A coragem a que me refiro é a de assumir uma relação com intensidade e com verdade. É sobre essa mudança de valores que estou falando. É uma mudança moral. De não trair, especialmente, nos acordos realizados, nas promessas dadas, nas responsabilidades assumidas. Coragem de procurar, ou pelo menos ligar, para dizer adeus, e não simplesmente sumir. Como estão faltando homens corajosos!
Os homens se apoiaram em prover financeiramente e no sexo – número de mulheres – para sentir e confirmar sua força masculina. Consolidaram esse poder com uma sociedade toda voltada a alimentar seus privilégios sociais. Alguns se apoiaram até na violência física, que assolava, e ainda assola, mulheres e crianças neste país. Quando a moral foi se transformando e o prover deixou de ser exclusivo do homem, a intimidação da violência física, tão fortemente combatida, passou a retratar um covarde ao invés de um valente. Quando os privilégios sociais por ser homem vão diminuindo, poucas coisas ficam na sociedade que digam a esse homem que ele tem valor. Abriu-se um vazio que está difícil de ser preenchido. Pois eu lhes dou uma dica: sejam homens corajosos.
Coragem para encarar e serem os companheiros atuantes de mulheres corajosas e fortes. Coragem para dizer o que pensam e o que sentem. Coragem para dizer não. Coragem para dizer sim. Coragem para se colocarem na vida em pé, livres e firmes. Coragem. Simples assim.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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