Neste feriado assisti o filme Ferrugens e Ossos. Tenho preferência por filmes europeios, alemães e franceses em particular, mas mesmo acostumada com a linguagem deles, o filme me fez refletir sobre as diferenças do cinema hollywoodiano e o tipicamente francês e sobre como, quando a vida está no limite, a necessidade de laços fortes e consistentes se fazem necessários para sobreviver e seguir adiante.
Vamos para a realidade sob a ótica francesa do diretor Jacques Audiard: os personagens são seres comuns, desajustados, no limite de alguma forma. O personagem masculino, Alain, apresentasse bem mais desajustado socialmente que a personagem feminina, Stephanie, interpretado pela bela Marion Cotillard. Ao contrário dos filmes hollywoodianos, os rostos apresentam-se acabados quando necessários, cabelos dessarumados. Não há falso glamour na vida dos personagens. Poucas falas, longos silêncios, expressões deixam compreender a profundidade dos sentimentos dos personagens. Alain é calado, contido, transgressor da ordem social e, ao mesmo tempo, mantém uma ética de respeito ao estabelecido como regra no relacionamento que mantém com Stephanie, que muito bom moço talvez não conseguisse manter.
Por outro lado, Stephanie sofre um grave acidente, vive a dor e a raiva mas deixa o papel de vítima e vai se recolocando no mundo. Supera seus próprios medos e vai ancorando seu poder mesmo entre os homens que praticam lutas clandestinamente para ganhar apostas. Claro que eles ficam juntos, mas não há frases prontas que possam ser postadas no Facebook como exemplos de pensamento, nem beijos românticos para selar esse amor que repara e acalenta cada um a sua maneira.
Muito diferente dos filmes norteamericanos, que com sua visão de sonho-ideal-possível, os personagens são sempre lindos, arrumados, muitas vezes óbvios nas suas fraquezas e fortalezas, o que contribui com uma fácil identificação do público expectador com os personagens. Num filme de superação norteamericano saímos todos com o sentimento que é possível vencer, inclusive a nós mesmos. E é esta a maravilha do cinema hollywoodiano: fazer sentir cada um de nós um herói possível no cotidiano. Gosto de positivismo americano que torna tudo mais leve, tudo possível e com isso nos instiga a superar-nos.
Mas, como disse, gosto também da profundidade do cinema europeu. No caso de Ferrugem e Ossos, há uma mensagem subliminar que vai ficando forte na medida que se reflete sobre o filme: independente dos desajustes, a dureza da vida – ou talvez por conta disso – a confiança é necessária no casal. Quando não se crê em mais nada, quando o abandono faz parte do nosso cotidiano, confiar, é uma das poucas formas de sobreviver.
Pois vamos trazer um pouco dessa reflexão para o blog nesta semana: como neste mundo líquido de Bauman, os laços fortes se fazem necessários.
Boa semana!
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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