Conversando com uns amigos sobre a última viagem em família que acabamos de realizar, ouvi o comentário: “viagem em família sempre acaba mal”. Creio que essa afirmação faz sentido por alguns motivos: em toda família há mágoas e ressentimentos. Sentimentos gerados, na grande maioria das vezes, pela expectativa que temos em relação às ações que esperamos que os outros façam. Acredito que há muita fantasia – o que considero bom – e ilusão – o que considero ruim – ao redor do significado de família na nossa sociedade.
A fantasia e a ilusão geram expectativas. No caso da família, geram suposições de como ela deveria ser. Só que a realidade é como ela é. Portanto, nossas famílias são formadas por pessoas reais, que têm seu lado luz e seu lado sombra. Que estão, como todos, se desenvolvendo dia após dia – e faço essa afirmação consciente, que há pessoas que escolhem não se desenvolver ou o fazem lentamente. Compreendi, estudando seres humanos comuns, que existe uma escolha pessoal sobre o próprio desenvolvimento. Essa escolha é paralela às oportunidades em torno. O ambiente influencia consideravelmente o tipo de escolha. Mesmo assim, acredito que a decisão seja pessoal.
O grupo familiar é composto por pessoas que carregam consigo questões que, para alguns seriam fáceis de resolver, e, para outros, seriam difíceis. Com hábitos e comportamentos que provavelmente não teríamos. A família é uma minissociedade em que os indivíduos estão conectados por um elo profundo e forte: o amor. Amor que, acredito, brota em todo ser humano. Amor que é fortalecido pelo ensinamento, desde que nascemos, da importância de amar a nossa família.
Viajar em família, comentei com meus amigos, necessita que a gente queira que dê tudo certo – porque pode existir dentro de cada um o desejo, talvez inconsciente, de explodir com a viagem. Movidos por mágoas mal curadas que vêm à tona, inevitavelmente, durante a convivência. Para querer que dê tudo certo, considero fundamentais dois elementos, e o primeiro é colocar o Eu de lado e priorizar o Nós.
Quando nosso Eu ainda é imaturo ou mal resolvido, ele costuma tomar conta de nós. Ele precisa constantemente se mostrar, se colocar, se impor. Quer atenção. Isso em família é um caos. Com a liberdade que o ambiente familiar propicia, alguém vai cobrar esse comportamento. Quando colocamos o Nós na frente do Eu, nosso foco é que tudo corra bem. Vamos ceder, vamos negociar, vamos calar, vamos relevar. Sem dor, sem mágoas se acumulando, sem sofrimento. Se sofreu, é que o Eu está lá dentro, gritando. Nesse caso, em vez de criticar a família, seria bom olhar para esse Eu.
É claro que existem famílias e famílias. E, pensando nisso, trago o segundo elemento fundamental: abertura para a diversidade. Nossas famílias são um belo exemplo da sociedade diversa – ou deveriam ser. Por mais que tenham um mesmo núcleo de valores, tal como uma árvore frondosa e saudável, gerarão, diversos galhos que por sua vez, gerarão outros. Assim, quanto mais ampla a árvore, mais diversa será. Diversa no sentido de distanciamento do tronco, nesse meu exemplo.
A diversidade é um exercício de amor e de compreensão. É um aprendizado que consiste em praticar a empatia pelo outro. Empatia pela forma de ver o mundo, pelo momento de vida, pelas ideias que carrega, pelos comportamentos que pratica. É saber que compreender e conviver nem sempre significa aceitar e fazer igual. Tampouco é querer que os outros pensem e ajam como nós. Por que querer que os outros sejam como nós? Viajar em família é aceitar e acolher o diverso de cada um dos membros. É praticar o amor, também entre os diferentes.
É evidente que pode haver membros da família com os quais não queremos nem conviver, muito menos viajar, devido a conflitos de valores. Considero saudável manter distância, embora não seja possível fazer isso o tempo inteiro. É claro, que há, também famílias que não aprenderam a desenvolver o amor entre seus membros. Como disse antes, existem famílias e famílias. O mais importante é perceber que a sociedade que muitas vezes criticamos – especialmente nestes tempos de intolerância acirrada – é reflexo também da forma como convivemos. E convivência se inicia e pratica com os nossos familiares. Prática mais difícil, na minha opinião, por causa das expectativas geradas com a ideia de “família ideal”. Por outro lado, essa dificuldade é suavizada e superada pelo amor que nos envolve. Talvez valha a pena nos perguntar: o que é mais importante, continuar alimentando o Eu que pode trazer a separação ou viver e expressar o amor familiar, através do Nós?
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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