Gostaria de comentar o quanto a crença de ‘ser mulher é sofrer’ está, em diversos níveis, presente em nós mulheres. Em Recife, como comentado no post anterior, foi bastante claro para nós que essa é uma das crenças latente ao ponto de ser evidente e discursado com facilidade por boa parte das entrevistadas.
Em São Paulo foi diferente. E não porque essa crença não está presente, pelo contrário, mas porque ela se encontra bem mais internalizada e de difícil acesso; mas ela ainda está lá dentro, pulsando forte, dentro de cada mulher que entrevistamos.
As entrevistadas de São Paulo são, sem dúvida, mais autossuficiente e individualizadas. E gostam de se colocar assim. Serem vistas assim. Na medida em que fomos descobrindo suas histórias de vida e suas atitudes perante alguns fatos, compreendemos que muitas fazem um grande esforço para se mostrarem autossuficientes, o tempo todo. Há um vangloriar-se de sua capacidade em fazer tudo sozinha, resolver tudo, de não precisar de ninguém na vida. E claro, de serem muito melhores que os homens. Chega, em alguns casos até não ser natural, tamanha a necessidade de deixar isso claro.
Porque a mulher precisa tanto de demarcar esse território de autossuficiência? a quem ela quer convencer? o que ela quer provar? do que ela tem medo?
Entendemos que um dos motivos – mas tem mais de um – foi a crença ‘ser mulher é sofrer’ estar presente. E por conta disso, as mulheres tentam negar de alguma forma, aquilo que considera que é ser mulher. E aqui aparece outra questão: o conceito do que entendemos que é ser mulher carrega, e muito, ainda, a associação com submissão, doação sem fim que exaure e faz sofrer.
A imagem da mulher que sofre é tão forte que a construção da nova mulher se embasa nela, na negação dela. Assim, corremos que nem diabo da cruz, para o extremo oposto. Um exemplo de como essa crença atua em nós é o medo demonstrados por boa parte das entrevistadas na entrega amorosa, de se apaixonar. Ficam controlando a entrega de seu amor e colocando, constantemente, os limites para o outro. Muitas manifestam que desejam e buscam uma relação igualitária – o sonho dourado da maioria – como se a vida e a relação amorosa, fossem uma balança fiel: contando e cobrando cada comportamento que fazem para que o outro faça no mínimo igual. Em alguns casos, a relação vira um campo de batalha, de cobranças sem fim onde um acha que está ‘dando’ mais do que o outro.
Creio que ainda teremos um longo caminho, e aqui as mais jovens estão em vantagem, para construirmos uma mulher que se doa, se entrega e ama sem que o fantasma da ‘mulher que sofre’ se aproxime dela.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
6 Comments
É incrível como os sentimentos são ao mesmo tempo tão particular e tão universal... Ótima reflexão Nany!
É interessante tudo isto realmente, pois tenho um contato grande com mulheres de todo o Brasil. Em função de minha profissão. Por isto, percebo que a grande maioria delas passam autosuficiência, mas ao mesmo tempo buscam alguma coisa que acho que posso denominar de um "esteio". Uma vez realizadas em suas profissões, buscam maridos, filhos etc. Nany, mais uma vez você está de parabéns. Abçs
Acredito que a autosuficiência seja de fato algo atingido por boa parte das mulheres. Mas isso não lhes impede de querer compartilhar e poder se sentirem apoiadas e as vezes frágeis. Porque não?
Este comentário foi removido pelo autor.
Nany, querida: fantástico! Amei o blog. Parabéns e, por favor, continuem postando...
Adoro ser mulher, amo meu marido, amor poder ser frágil e forte ao mesmo tempo. Meiga e pragmática. Amo não precisar provar autosuficiência e ser feliz, sem precisar buscar muito...
Vivo um momento interessantíssimo de: entrega. De saber que nem tudo está sob meu controle. E isso é mágico - principalmente quando traz reflexões profundas e transformações positivas para o mundo...
Beijos e parabéns!
Rosi você tem razão, é um momento muito mágico. Vejo pelo trabalho com o Projeto Mulheres, que muitas mulheres estão nesse caminho mas nem sempre seus companheiros conseguem lhes dar o apoio que precisam. Mas aquelas que contam com um bom companheiro, esse caminho se abre de forma primorosa e rica.
beijos e boa sorte nesse seu novo momento!
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