Quando li um livro sobre o Tantrismo há muitos anos, uma coisa me chamou atenção: segundo o autor, a mulher ou o homem com quem se fazia o sexo tântrico não deveria ser a mesma pessoa com que se relacionava como casal. Conheço superficialmente o tantrismo e por isso desconheço se é uma premissa tântrica geral ou um ponto de vista do autor. O que sei é que após refletir sobre a simbologia inserida nessa premissa, fez todo o sentido para mim.
Pensando no Tantrismo como uma filosofia que usa entre vários preceitos, o êxtase para elevação e saúde dos corpos físicos, mentais, espirituais e emocionais; fica evidente para mim que êxtase e relação amorosa estão em pontos distantes, quase antagônicos. O êxtase exige, na sua essência, a perda total de controle e de realidade. Sair do chão. Isso altera totalmente como vemos a realidade ao nosso redor e o que nos limita. Fica fácil entender um pouco do êxtase se o associarmos à paixão. Embora não sejam a mesma coisa, sabemos que a paixão torna tudo mais colorido e brilhante. Há uma fantasia que se instala e nos faz sonhar mais alto.
A relação amorosa, ao contrário, exige, e muito, lucidez sob a realidade em que ela está inserida. Precisa do que é real para ela poder ser cuidada. Ao contrário do que muitos pensam, a relação amorosa que visa longevidade precisa de muito trabalho e foco para ser alimentada e conduzida para a estabilidade e maturidade.
Muitos casais casam acreditando que só o amor será suficiente para resolver todas as questões práticas e os desafios da vida. Anos depois, mesmo tendo amado profundamente, a relação se esvazia. A praticidade e dificuldade da vida a dois são capazes de matar todo o amor antes considerado eterno.
Vamos lá, considero importante deixar claro que acredito na força do amor. E que ele, só ele, é capaz de nos manter fortes, persistentes e compreensivos consigo próprio e com o outro. O meu ponto é que o amor para sustentar um relacionamento precisa de inteligência e racionalidade. Como já disse num outro texto, o amor não precisa de reciprocidade – ele poderá continuar existindo mesmo longe da pessoa amada – mas o relacionamento, sim. Amor e relacionamento são duas coisas distintas.
Quando vemos a relação amorosa com lucidez, compreendemos que precisamos nutri-la para fazê-la crescer. Precisa de atenção além da intenção. Precisa de esforço dirigido. Ela não é mato que nasce sozinho e se expande com o vento. Muitos casais se apaixonam, decidem compartir a vida juntos, fazem planos e começam a concretiza-los. A partir dali, se ocupam tanto com os planos criados – e se vem filhos a distração é maior – que se esquecem de cuidar da origem de tudo: o amor na relação.
E como manter a paixão com tanta realidade em volta? Bem provável que ela não se mantenha igual que no início, que tem boas doses de ilusão. Podemos, conscientemente, transformar a paixão com os anos também. O desconhecido se transforma em prazer em reconhecer cada traço, cada gesto. A admiração vinda da idealização inicial sobre a pessoa, pode caminhar para admirar as atitudes perante a vida que vem demostrando. Poderá não haver mais a sensação de “borboletas na barriga” e o coração pode não bater tão acelerado quando estamos juntos. Mesmo assim, a expansão que a paixão promove pela ilusão que rapidamente se instala e também rapidamente se esvazia, pode acontecer pela segurança que o amor maduro nos oferece. Alicerce para voos tão altos quanto serenos.
Nany Bilate é pensadora intuitiva e pesquisadora. Seus estudos e textos são focados na transição de valores e crenças da nossa sociedade. E sua interferência nas identidades feminina e masculina contemporâneas.
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